Al Berto.
Depois paro e leio um coisinho do Al Berto, só um, este:
Outras feridas.
traços de répteis incandescentes pelas dunas, hastes
quebradas, excrementos geométricos sinalizando com rigor apertados caminhos
areias de cor indecisa
são bons lugares de cinza, para a solidão insuspeita dos
pássaros
da boca das areias desmoronando-se irrompem
fosforosos bichos, adocicados corpos, um rosto encima o
leite vagaroso das nuvens
depois, ouvem-se os nomes dos barcos
e do vento uma voz explode, fende, desfaz a tempestade
teu corpo acalma por cima do misterioso espelho
mão na mão, percorremos todas as águas
conhecemos os domínios húmidos dos monstros marinhos
e a loucura dos peixes cegos, que deu nome ao nosso amor e
às cidades costeiras
outras feridas alastram subitamente no fulcro da memória
outras noites atravessam-me
semeiam pelo corpo flores e pânico
falo com os barcos postos-a-seco, das salivas marinhas
cresce uma quilha enfurecida
a escrita é um marulhar incessante
imito a paisagem como se te imitasse, ou te escrevesse
teu corpo dilui-se nos ossos da página, contamina as
cartilagens das sílabas
resta-me o fingimento sibilante das palavras
caminho pelo interior das dunas, apago o rasto de tinta acetinada,
sou terra num texto onde não encontrou água
só noite e um rumor imperceptível no coração
mais nada
.2004
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