“O Despertar da Primavera” Frank Wedekind/Nuno Carinhas, Teatro Helena Sá e Costa, 2019.

Por partes:

Primeiro: Isto começa a ser fácil.
Não li propositadamente a peça antes de a ver e chegou-me a tua ponderação (mais olhar ao alto, hesitação, revisão mental) e final “não há problema, a criança pode vir”.. tinhas razão evidentemente, apercebi-me depois que te declarei mentalmente a maioridade algures neste processo. Não foi o fim do curso nem a idade e muito menos uma inevitabilidade cronológica (que não existe, com os pais esquece, é coisa que nunca vem; com a tua irmã é possível que aconteça mas ainda não foi o caso). E há que compreender os velhos em todo o caso.. a visão que tu tens de alguém é a memória mais funda que tu tens dela; por isso é que os grupos de velhos amigos revertem imediatamente para os putos que foram juntos há muito muito tempo quando juntos; por isso é que juntar o teu pai e os teus tios ou a tua mãe e as manas é tão divertido; por isso é que os irmãos mais velhos têm tanta dificuldade em olhar para os irmãos mais novos (adultos) como adultos. Resumindo.. não que eu te tenha ensopado em carinho parvinho como se faz aos meninos antes, mas qualquer réstia de condescendência está definitivamente arrumada. Confio em ti como noutro adulto-de-bem qualquer (não são assim tantos mas pronto..). Fique em acta.

Next: a peça. A peça é evidentemente bem escolhida (não uma absoluta originalidade do tio Nuno para fechar um curso, mas os lugares comuns são-no por alguma razão e realmente isto parece escrito para este momento específico). A peça é muito boa, um clássico moderno se o termo fizesse sentido (depois descobri que este Wedekind é o mesmo do meu adorado “Die Büchse der Pandora” que eu já te mandei ver 1000 vezes). Sem conhecer o original a adaptação segura-se perfeitamente (a Wendla é mesmo violada pelo Melchior no texto original? é que não é nada com essa ideia com que nós ficamos), por mais que eu continue a achar que manter os nomes alemães é mais empecilho que respeito ao original.

A encenação foi boa e original e brilhante... o espaço é espantosamente utilizado e funciona.. adoro os momentos em que eles correm atrás de nós ou saltam com as cadeiras da plateia para o centro do palco ou saem do chão ou transformam os andaimes do palco em árvores... todo o deambular da rainha sem cabeça ou o momento cabaret do pequenino do chapéu foram momentos muito especiais, para não falar do magnífico final. O risco entre nos invadirem o espaço (a nós público) e não nos obrigarem a participar (algo que eu detesto com todas as fimbrias do meu ser) é perfeitamente percorrido.

Música, cenário e figurinos, parabéns à malta toda! Quando o pequenino do chapéu canta o canto contrário à nossa frente deixava de ver por causa dum foco à minha direita e eu teria substituído a cabeça do Bernardinho por uma caveira à Yorick nem que fosse para misturar referencias, mas isso é uma questão de gosto.

Elenco: todos os que têm direito à fala parecem-me muito maduros e prontos ao consumo... no Bernardinho noto muito a evolução, o “Melchior” é bom também, a gordecha “Gabor”, a “perdida da boémia citadina” (há que dizê-lo, este programa é bonitinho mas ajuda pouco), até a tua “mãe” e o “pai Gabor” (apesar de ter engasgado uma fala como “mascarado do cemitério”).

Tu.. tu filha.. estás mais que feita, eu se fosse aos teus professores também te dava um monte de falas e te punha fora da escola. Ainda não te ris como tu, mas foi quase assustador ver a Wendolla a ecoar as tuas fúrias... as fúrias das tuas personagens já são reais.

De resto não sei o que é o “mascarado” da cena final do Melchior... provavelmente a Vida.. que não sendo tão espectacular como seria dado a esperar a um jovem romântico alemão do séc. XIX sempre é melhor que uma bala no miolo ou um cabide nas entranhas.

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