Porto.

Ai eu gosto do Porto, pior, acho o Porto bonito (tive de levar com uma diatribe da tua mãe e da tua tia de como o Porto é feio e triste e não concordei nada silenciosamente sonso como é costume quando não vale a pena comprar a briga)... o Porto já era lindo quando era mesmo triste e decadente e feio quanto mais agora que parece uma explosão desordenada de modernidade aldeã, cosmopolitismo localizado que ainda não esqueceu onde está (eu começo a desconfiar que da impossibilidade do não-lugar, exceptuando ambientes totalmente controlados tipo eurodisneylandia).
Seja como for desta vez estava ligado (diria a tia Isabéu) na escultura, foi o que me se estava a saltar aos olhos:
ao fim da rua da pensão tínhamos o “Nadador” do Sérgio Taborda no jardim de São Lázaro, esta é daquelas bem-esgalhadas, se fosse do Cutileiro provavelmente era de manual, mas como não é... é só meio-trambolhica.. mesmo assim diverte os gaiatos.
Descemos a rua do Coliseu para desembocar no Rivoli, levamos logo com os cavalos do Fragoso, isto é espantoso! Isto é boa e velha escultura fascista como já não se faz (e em rigor é uma pena!).. é preciso não ter olhinhos nem coração nem noção das proporções para não se ser ligeiramente esmagado por aquilo.
Vamos e vamos e sorrimos ao friso do Rivoli do Henrique Moreira, chatarrão e formal e muito art-déco que disfunciona tanto com a arquitectura bonita do resto mas ao menos não estraga.
Desembocamos nos Aliados sem olhar para a espantosa águia do Imperial que agora é um McDonald’s (eu sou velho que chegue para dizer assim), antigamente era absolutamente nazi (não me fodam, as águias romanas eram muito mais curvas)... mal por mal, antes este imperialismo que aquele que os originais estavam a tentar celebrar (acessoriamente, não precisas de comer nada, mas se ainda não entraste lá.. entra! que vale a pena pela arquitectura).
Aliados cá em baixo... leva-se logo com o D. Pedro IV do Calmels que é desinteressante por mais dinâmico que seja para a altura (deu-me o homem o coração ao Porto, literalmente), mesmo assim é melhor que a reciclagem que Lisboa lhe tem no Rossio.
Descemos para esquerda e levamos com o Ardina do Manuel Dias, uma cópia descarada e horrorosa do horroroso Cauteleiro da Fernanda de Assis à entrada do Bairro Alto cá em baixo, duas estátuas medonhas de Playmobil quando a única celebração respeitável do Ardina está em S. Pedro de Alcântara.
Subimos subimos subimos até à Sé e levamos de chofre com a melhor escultura no Porto (cá para mim mesmo melhor que o Desterrado) o “Vímara Peres” dum Barata Feyo em toda a sua pujança... esta merecia estar dentro de portas e com bilhete caro para entrar para a malta tomar atenção quando entrasse... o paradoxo da escultura, como pode estar à chuva quando está à chuva ninguém lhe liga, quando está trancada e a pagar logo fazem bicha para a ver (lembro-me bem dos “Davids” do Michelangelo em Florença, a cópia no sítio original e o original trancado e a pagantes)... esta é a melhor escultura do Porto que eu me lembre francamente, merece não só a subida mas muita, muita atenção.
Descemos para a Ribeira (já contigo) e levamos com o D. Henrique do Henrique Tomás Costa em frente ao Palácio da Bolsa, que desinteressante que é, ao menos ainda não integra a confusão estado-novista do Henrique com o paizinho D. Duarte.
Praça da Ribeira: o foleiríssimo cubo do José Rodrigues e o São João do Cutileiro (um fac simile preguiçoso dessa obra-prima que é o D. Sebastião de Lagos)... a Ribeira merecia melhor do qu’isto!!
Outras coisas.. caminha caminha.. novo dia...
Descemos novamente aos Aliados mas desta vez cá em cima junto à Câmara: Barata Feyo outra vez, agora o Garrett à porta dos paços... a prova provada de como se pode espetar arte a sério nas pupilas da malta e não entra nada... biba o sôn jôon ó filhinho olhá lá antes do plantel na baranda da câmara e bate palmas antes a isto (já nem falo do Garrett propriamente dito, já só falo da escultura).. e isto nem sequer é uma diatribe de mouro (não é como se os alfacinhas se persignem, como deviam, diante do Eça da rua do Alecrim do Teixeira Lopes).
Subimos... chegamos cá acima aquele busto estranhíssimo de capacete (o que é raríssimo) e eu tenho tempo para lhe tirar o nome finalmente (depois de dezenas de vezes que passei por ali a notar a estranheza sem paciência para olhar a sério): o senhor chamava-se Guilherme Gomes Fernandes, nascido no Brasil mas voltou à metrópole (estamos nos 1800s) para ser um bombeiro-herói a nível nacional (o capacete é de bombeiro e não de dragão como parece), o busto (nada fraco) é dum Bento Cândido da Silva e de 1915 porque a criatura foi um Cristiano Ronaldo (sem as suspeitas de violação) ao tempo.
Descemos novamente até à fonte dos leões em frente à reitoria que curiosamente, mais do que outra coisa qualquer, é a imagem estampada que eu tenho na mente da minha primeira ida ao Porto... os leões que obviamente não são leões mas sim grifos (porque têm asas) e que hoje ninguém parece saber muito bem quem esculpiu (para lá do facto da encomenda ser francesa e dos 1880s).
Viramos para o Palácio da Justiça, passamos a espantosa estátua do Ramalho do Leopoldo de Almeida, chapéu numa mão e bengala noutra. O velho reaça parece pronto para a porrada... é não lhe ter lido as partes das “Farpas” para não o reconhecer numa fúria patrioteira face aos camponeses do Douro maltratados pelos feitores ingleses (se os grunhos dos feitores ao menos fossem de cá!).
Cortamos o jardim até ao Ganimedes do Fernandes de Sá, espantoso elogio à pedofilia ao lado dum parque infantil, atravessamos a rua para o lado da prisão, estátua do Camilo (do Francisco Simões) a afalfar o cú duma moça muito mais jeitosa do que a Ana Plácido que lhe valeu xadrez alguma vez foi.
Palácio da Justiça antes de descermos para o Passeio das Virtudes: a “Justiça” do Leopoldo de Almeida, estatuária fascista nacional no seu pior: rígida, feia e desinteressante... na realidade acaba por ser verdade à sua maneira: a Justiça em 1961: está lá, mas na verdade nem por isso, tem olhos mas não vê, a balança da equidade está enrodilhada e a espada punitiva pousada (mas isto já sou eu a espremer pedras).
Descemos para o miradouro e temos os “Quatro Cavaleiros” do Gustavo Barros que, como o vivaço do teu paizinho muito bem apontou imediatamente, provam que a monumentalidade não é uma questão de escala... porque são monumentalmente espantosos apesar da tua sobrinha lhes ter subido à garupa.
Subimos novamente para levarmos com os “Thirteen laughing” do Juan Muñoz que, como a vivaça da tua mãezinha muito bem apontou imediatamente, foi claramente mais caro do que interessante.
À saída do Porto (estavas tu a trabalhar outra vez) ainda topei com o frontão do Henrique Moreira no topo do Palácio do Comércio na Sá da Bandeira, que é daquelas coisas espantosas que de vez em quando acontecem no Porto, mas nunca, jamais, aconteceriam em Lisboa.

Comentários