“Münchhausen” Josef von Báky, 1943.
Vejo este,.. ora este é um objecto muito interessante de
complicadinho! Tudo é contexto e fingir que de vez em quando o podemos desligar
é uma asneira para a qual escusam de contar comigo... e neste caso o contexto é
o seguinte:
Este “Münchhausen” foi o filme escolhido para comemorar os
25 anos da UFA, os
históricos estúdios alemães que foram a casa do “...Caligari” do
Wiene, do “Metropolis”
e do “M” do
Fritz Lang, do “Fausto” do
Murnau e do “Anjo Azul” do
von Sternberg, entre outras obras-primas.
Ora foi escolhido por quem? Olha para cima (a data), pelo
senhor Paul Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda do Quinto dos Infernos
himself: e temos um guião escrito pelo Erich Kästner, um vermelhusco que teve
os livros queimados em 1933 e que aparentemente só se não exilou com o resto da
intelligentsia alemã anti-nazi por conta duma mãezinha doente que não podia
viajar e que mesmo assim se fartou se ser interrogado pela Gestapo e depois de
ter ficado fechado na Alemanha durante a guerra acaba expulso do sindicato
nacionalizado (e “nacional-socialista”) de escritores, mas com uma autorização
especial do próprio Goebbels, escreve o guião desta pérola apesar de impedido
de a assinar (assinando assim “Berthold Bürger” o Bürger dedicado a um dos
autores originais do Münchhausen e o Berthold em homenagem velada ao Brecht!!);
o bicho havia de os sobreviver a todos, ganhar o prémio Hans Christian Andersen
e ser nomeado quatro vezes para o Nobel da Literatura.
Em cima disto temos a participação do Ferdinand Marian como
Cagliostro, o Marian é um excelente, muito competente (mesmo neste “rouba a
cena” ao protagonista repetidamente) actor que se desgraçou (uns anos antes, em
1940) ao protagonizar no “Jud Süß”, uma
dos mais desprezíveis casos de agressiva propaganda anti-semítica da História!
Mais triste ainda por, aparentemente, o Marian não só não ser nazi, como metade
da família ser judia.
O contexto, como é costume nesta altura na Europa Central, é
um acumulado de grandes e pequenas tragédias...
Agora mete-lhe em cima que estamos em 1943, no Reich só
mesmo o Adolfo é que continua convencido da invencibilidade do “Império de Mil
Anos”, o resto dos alemães estão a recuar tanto na Rússia como no norte de
África, a Batalha de Inglaterra deu bota e os Americanos entraram em força do
lado de bem... e pimba, mestre Goebbels atira-lhes com um filme de fantasia que
faz o “Feiticeiro de Oz” parecer neo-realismo italiano a preto-e-branco.
Mas não tens de carregar o objecto artístico com toda a
carga do contexto (embora seja difícil depois deste relambório todo...)... há o
contexto e há o objecto.. e o objecto só é verdadeiramente arte se transcender
o contexto, e este fá-lo.
O filme é muito bonito, às vezes macaco e poético e sempre
divertido, extremamente aconselhável por si só, sem necessidade da lição de
história cinematográfica que na realidade ninguém pediu.
todo aqui:
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