“Deus e o Diabo na terra do Sol” Glauber Rocha, 1964.

Este estava na lista há demasiado tempo, considerado uma das obras-primas brasileiras e o início do “Cinema Novo” este é qualquer coisa MESMO.

Fora a importância social e política do filme a verdade é que enquanto objecto visto só abstractamente é do mais raro e interessante (para não dizer simplesmente melhor) que vi ultimamente... tão raro que nem sei bem como o descrever: talvez neo-realismo mágico sem magia, ou seja miséria porrada e misticismo.

A acção passa-se algures na caatinga do sertão nordestino nos anos 30, o que quer dizer que a filmar nos anos 60 nem se nota a diferença, aliás há muito de simples documentário na coisa (desgraçados nordestinos a fazerem de desgraçados nordestinos, às vezes até se percebe que eles não foram informados que se estava a rodar um filme) mas a vogar entre o Eisenstein e a Nouvelle Vague (com um toque de neo-realismo italiano se ele tivesse sido filmado pelo Fellini em vez de ser pelo De Sica)... a coisa trambolha (e trambolha é o verbo) entre o lindíssimo brutal e onírico e o involuntariamente cómico (as “sequências de acção” são tão absurdamente ridículas que às tantas te perguntas se ele não está a fazer de propósito, se é falta de jeito ou desígnio)... as actuações também andam all over de place: o Manuel e a Rosa do Geraldo del Rey e da Yoná Magalhães comportam-se como personagens do Manoel de Oliveira (muito stilted, muito nouvelle vague, a dizer coisas num tom neutro sem expressão olhos no infinito), o Corisco de São Jorge do Othon Bastos morde o cenário todo num over-acting maravilhoso e hipnotizante, o Maurício do Valle como Antônio das Mortes vai pelo caminho do meio e torna-se a personagem mais relacionável no fim; mais uma vez é tão extremo que sais sem perceber se é ausência de direcção de actores ou desígnio.

A edição de som é uma catástrofe mas a música espantosa (especialmente as cançõezinhas que acompanham e apresentam o Antônio das Mortes)... tudo neste filme é raro e maravilhoso... e em cima disto tudo ainda me apercebi que o Hugo Pratt roubou uma cena inteira ao filme no seu “Samba avec Tir Fixe” do “Corto Maltese sob o Signo do Capricórnio”.

em resumo, tens de ver isto:

https://www.youtube.com/watch?v=QEsoB05RjGs


 

Comentários