“Schtonk!” Helmut Dietl, 1992 & “Selling Hitler” 5 episódios, 1991 & Gerd Heidemann & Konrad Kujau.


 

Este, o “Schtonk!”, tinha para ver há uns tempos largos e depois na enxurrada acabei por rever o “Selling Hitler” inteiro só para permanecer mais um bocadinho com esta que é, provavelmente, a minha história preferida de sempre.

Tanto o filme alemão como a série inglesa recontam a mesma história absurda de estupidez, cupidez e falta de vergonha da compra dos diários de Hitler pela grande revista alemã Stern no início dos anos 80.

A história, para a contar rapidamente, começa com este Heidemann, um jornalista da Stern com uma obsessão pouco saudável com o período nazi, coleccionador de parafernália do período, que se move bem nos muito activos círculos de velhos nazis (chegando a ter uma relação com a infame Edda, a mimada filha do Göring que, no pós guerra se torna numa das luminárias sempre presentes nestas patuscadas), especialmente depois de comprar o destroço e restaurar à época o Carin II, o luxuoso iate privado do Göring, decorado com peças oferecidas pela filha, operação que o faliu mas lhe trouxe ainda mais amigos entre a velha nazizada.

Ao mesmo tempo tens o Konrad Kujau, que com um passado de pequeno crime e pretensões artísticas descobriu o lucrativo negócio da venda de antiguidades nazis a antigos nazis... inicialmente o negócio é basicamente honesto mas o Kujau, que é um artista em todos os sentidos da palavra, começa a “embelezar” as antiguidades, ou seja: se um capacete das SS vende por 200 marcos, o mesmo capacete com um papelinho carimbado com uma suástica a certificar que foi este capacete que o Himmler usou em Nuremberga em 1938 já sai por 20.000 marcos... e o Kujau tem montes de jeito para escrever em antigos caracteres góticos e para envelhecer papel com chá e calor. A coisa vai por aí fora e em crescendo, o Kujau inunda o mercado com todo o tipo de treta: fardas, armas, documentação, objetos pessoais, roupa interior e (como é um pintor decente) dezenas e dezenas de pinturas do próprio Adolfo, tudo devidamente “assinado” e “certificado” (às vezes por terceiros especialistas que não estão na jogada... há um caso pelo menos em que um “especialista” se gaba de ter estado lá quando o Adolfo pintou uma das criações do Kujau).

Claro que estes dois passarões tinham de se encontrar... e quando se encontram o Kujau acabou de endrominar um ricaço nostálgico dos maus velhos tempos (um industrial das máquinas de costura) com um diário do Führer ele próprio (supostamente recuperado às escondidas da Alemanha de Leste na sequência da queda dum avião que no fim da guerra lá caiu com caixas e caixas de documentação pessoal resgatada à última hora do bunker... a história é toda verdadeira, só o diário é que era, obviamente, mais falso que uma moeda de 37 cêntimos)... o Heidemann sabe e fica histérico, contacta o Kujau e passa por cima da redacção da Stern para convencer os gestores da revista que tem o furo do século nas mãos.

O Kujau ainda hesita mas lá percebe que está em cima duma mina... faz o Heidemann prometer segredo (para proteger um suposto irmão do Kujau, fonte do material, que ainda estaria do outro lado do muro, portanto em perigo de ser apanhado pela Stasi)... os gestores da Stern abrem a bolsa e o Kujau começa a trabalhar febrilmente, as trocas passam apenas pelo Heidemann e é tudo feito em dinheiro vivo (o que permite ao Heidemann roubar em grande estilo pelo meio)... inicialmente prometendo 30 diários, o Kujau eventualmente “descobre” outros 30 e a Stern enterra 9,3 milhões de marcos (algo na volta de 5 milhões de euros)... não se sabe muito bem mas supõe-se que o Heidemann tenha embolsado por fora de um terço a metade disto, sendo que em grande medida o gastou para comprar “antiguidades” ao Kujau que a bem ou a mal rapou o grosso do dinheiro.

Fazem-se análises grafológicas aos diários mas o documento utilizado para comparação é uma carta do Adolfo produzida também pelo Kujau por isso, naturalmente, o resultado é que foi a mesma mão; parte dos especialistas históricos consultados para rever o conteúdo são as fontes que o Kujau usa para  escrever os diários e por isso os historiadores ao verem confirmadas as suas ideias assinam-nos entusiasticamente como genuínos, como a Stern não quer perder o exclusivo do furo as análises químicas ao papel vão sendo adiadas e eventualmente quando feitas já estão tão fundo no buraco que ninguém quer acreditar que não maneira nenhuma deste papel ter existido antes do fim da guerra.

Apesar de já estarem na posse de análises contraditórias a Stern avança com enorme fanfarra para a publicação e começa a assinar contratos em todo o mundo para a revenda de direitos... mas a coisa dura segundos, vem tudo por aí abaixo: o Heidemann em negação, o Kujau em fuga com a mulher e a amante.. eventualmente acaba tudo dentro: a Stern envergonhada e com as contas seriamente em baixo, o Heidemann destruido a viver em semi-miséria hoje, o Kujau (magnífico malandro) pena cumprida uma celebridade nacional para os alemães, com um próspero negócio de “autênticas falsificações” em que te pinta o retrato como um Renoir ou um van Gogh e nas costas da tela assina “um van Gogh autêntico pela mão de Konrad Kujau”...

Esta história é a farsa das farsas e apesar da catadupa de pormenores absurdos toda a gente diz que ainda há mais 20 que não aparecem no filme nem na série porque tão ridículos que se tornam inverosímeis, mesmo que verdadeiros... agora o filme alemão concentra-se no aspecto farsesco enquanto a série inglesa é mais sequinha a esse nível, e nisso é melhor, a série apanha muito bem o nojo por detrás da farsa enquanto o filme toma de barato que sim, a Alemanha está cheia de velhos criminosos de guerra por todo lado às compras; por outro lado a série concentra-se demasiado no lado inglês da história e reduz o Kujau a uma caricatura dum malandreco bronco, coisa que ele não é de maneira nenhuma... com isto tudo acho que ainda há aqui espaço para esta história ser contada outra vez...

o filme:

https://www.youtube.com/watch?v=Fwg3viGTAvU&t=24s

a série:

https://www.youtube.com/watch?v=I7XJ-vEHeLo

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