Marcelo no 25 de Abril, chapeau!

Eu gosto de discursos e nunca gostei do Marcelo, sou mais rapaz de ficar boquiaberto com o Cícero ou os discursos nunca escritos inventados pelo Tito Lívio do que de cair na idolatria nacional do Marcelo. Não lhe bastasse ser um manhoso afilhado do outro, filho de quem é, amigalhaço do Ricardo e mau rapaz (segundo os próprios correligionários) no geral, nunca votei nele (foda-se, eu nem no PS sozinho alguma vez votei, quanto mais à direita disso...) por isso insuspeito de simpatizar com a vetusta personalidade.

Como tribuno também não se pode dizer que seja um brilho do caroço. Tem o lado óptimo, típico de quem tem muitas horas de dar aulas, de falar escorreito e muito bem medido, sem uma vírgula ser extemporânea, mas dificilmente se pode dizer que seja um portento do discurso... cai facilmente na chatorrice morna no púlpito e perde fácil para gajos mais ferozes no meu tempo de vida: não só o Mário e o Álvaro mais evidentes, mas mesmo o Guterres ou o Portas levantavam a multidão com mais jeito que o Professor Marcelo com os seus sermões miudinhos de precisão.

À parte, eu antecipei uma enorme desgraça (porque conheço o animal) para este segundo mandato, porque achei que a política ia começar a ser determinada a partir de Belém em vez de a partir de São Bento; como é típico neste arranjo constitucional e permitia o cego apoio do Costa ao Professor... mas mesmo na altura disse,  de reserva mental (como dizem os católicos), que se alguma coisa nos safasse dum Marcelo maquiavélico a arranjar merda em barda a partir de Belém era o Marcelo pensar historicamente, ou seja, o Marcelo pensar para além das maquinações politico-quotidianas e pensar no seu lugar na História nacional... e se a acalmia desde a segunda tomada de posse indicava para este lado, o discurso de hoje prova-o expressa e definitivamente.

Eu nunca duvidei que o Marcelo fosse um democrata, é um democrata com que eu discordo (como o Costa Gomes, o Soares, o Ramalho Eanes, o Freitas do Amaral, o Sá Carneiro, o Guterres, o Costa ou o Paulo Portas... democratas com quem eu discordo) mas na minha cabeça muito distante de claros não-democratas (como o Spínola, o Cavaco, o Cunhal, o Sócrates, o André Ventura ou o dom Duarte...) com quem não há conversa possível; mas francamente não estava à espera de tanto.

Este discurso, absolutamente preciso (e ligeiramente chatarrão) como de costume há de ser (e mui bem) impresso nos livros de História 7º ano do futuro; os amigos do Marcelo gostam muito de incensar essa peste suína africana do nulo do Eduardo Lourenço como grande retratista da nação, mas francamente acho que o Marcelo fez mais e mais barato.. em vez de ler outra vez a porra do “Labirinto...” é ouvir este discurso, que é mais e melhor e até dá uma saída:

“não há, nunca houve um Portugal perfeito; como não há, nunca houve, um Portugal condenado.” é uma frase um bocadinho espantosa de auto-consciência. O apelo ao estudo da própria História respeitando a regra interna de não esperar do passado o que legitimamente esperamos do presente é o mais necessário e certeiro que se pode dizer ao povo velho e macaco que somos todos...

espantoso,

este país é mesmo estranhamente paradoxal e maravilhoso

eu regra geral fico de especial bom humor durante a nossa semana santa

mas é quase demais o anarquista vermelho raivoso acabar a louvar o afilhado do santo baptismo do falecido Marcello Caetano no 25 de Abril de 2021...

isto é um país mui raro diria um espanhol:

https://www.youtube.com/watch?v=VXU_fhoCpZc


 

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