“Polícias” 27 episódios, 1996 – 1997.

Acabamos de mostrar a primeira lança em África do Moita Flores à criança...

Agora vamos partes: esforço para mostrar Portugal aos portugueses na televisão, sim!

Copaganda versão “coitadinho do manuelinho”, sim mil vezes sim (cá em casa quando o actor olha para o infinito e plange já é definitivamente uma “moitaflorice”).

Edição freestyle (ora é dia ora é noite ora é ontem de manhã) e iluminação como calha e ausência de anotadora para figurinos e barbas por fazer é mato... também temos muito linhas narrativas que não vão a lado nenhum, deixa lá isso que eventualmente isto há de ser estudado como objecto histórico.

Música (do António Vitorino d’Almeida) consegue ser sempre brilhante e inconveniente, porque demasiado alta que abafa o diálogo ou tão anterior que revela para onde a cena que acabou de começar vai acabar.

O que é que eleva a cena toda?

Primeiro a profunda realidade do guião. Por mais canhestro que seja o Moita Flores (e ele depois melhora)  isto é um magnífico primeiro esforço... e mais do que isso é mais pegado ao chão que o Zé Gato. Tens, só e completamente do ponto de vista do judite a pègre lisboeta toda, como não podia deixar de ser de um ex-judite como o Moita Flores, mas tens os desgraçados da droga dos anos 80 e 90, a velha chungaria das alcunhas, os bufos da movida, os amadores e os profissionais de cadastro, o eventual psicopata, o patologista que não usa luvas, o bófia ½ descontrolado que espeta umas estaladas dia sim dia sim, a tensão interna entre polícias que sabem ler e os que só lêem “A Bola”, a masculinidade tóxica menos desculpável do marido burguês da Rita, o peso do trabalho na vida dos gajos. Ao nível da copaganda, este é-me o mais desculpável, antes de mais porque soa do chão, da vida dos gajos.

E depois temos as actuações... fora o enorme Orlando Costa basicamente a fazer um Zé Gato velho ternamente casado com a Joaninha do Duarte & Cª (a Paula Mora); temos o gigantesco Canto e Castro de médico; o Manuel Cavaco de inspector muito sério; uma Sílvia Rizzo muito novinha de promotora que só está bem a castigar violência policial (dá-lhe na copaganda chico! que é para nós não irmos ver quantos xótas estão neste momento dentro por “excessos”); um Virgílio Castelo de burguês meio machão (duas pernas às costas); o Amdeu Caronho e a Estrela Novais em bandidos especialmente convincentes cada um a seu género... e depois a equipa:

o Lagarto e a Maria João Luís são deuses do palco e eu nunca os vi fazer mal. Para mais eu com a Maria João Luís tenho um muito sério crush de décadas (a minha velha máquina fotográfica chama-se Matilde por causa duma personagem dela), o João Lagarto cruzava-se muito comigo na Fac. de Letras quando eu passava lá a vida por conta da Giana e já na altura o olhava com um bocadinho de assombro. O Esparteiro é um natural e com o “Diogo” brutamontes teve o casting duma vida, não havia ninguém vivo ou morto que enchesse a personagem melhor; o Paulo Matos faz tudo o que havia a fazer com o “Jorge”, a personagem mais interessante, o bófia viciado no jogo e auto-sabotador (central no último episódio quando admite que falhou a hora da cerimónia do próprio casamento... eu acho francamente que às vezes o Moita Flores, outro natural, escreve para além do que queria à partida escrever); o Vítor Norte, que faz o polícia durão e cínico com a pistola maior de todas e só meio gás do que o que eu sei que o Norte sabe fazer e sobra um só meio-desensaboado-harry e o Cerdeira.. que é muito muito muito novinho aqui e faz o que pode com as moitaflorices que o Moita Flores lhe manda à personagem... e corre horrivelmente mal.

Porque o Moita Flores projecta-se claramente em duas personagens: o Casimiro (João Lagarto), o batido competente meio desgostado mas com interesses que se sobrepõem (o canto coral) ao merdelim do crime do costume; e o Raúl, o jovem que faz um arco de maçarico a batido durante a série, com educação formal acima da média da equipa (licenciado ou licensiável em Filosofia) cheio de boas intenções regularmente marteladas pela REALIDADE (a REALIDADE é thin blue line).

O Cerdeira aos 20 anos não tem unhas para as moitaflorices, e eu francamente duvido que a Eunice aos 60 tivesse.

Seja como for, isto é muito interessante de se ver, e a criatura já não se pode queixar de ninguém lhe dizer, nem tu; toda aqui:

https://arquivos.rtp.pt/programas/policias/


 

Comentários