HISTÓRIA DA HISTÓRIA DOS DESCOBRIMENTOS E EXPANSÃO PORTUGUESA 1 - Marrocos na Expansão Portuguesa.

Tema

Analise o seguinte excerto :
Já o período joanino é aquele em que o reino defende a sua independência,

fortalecendo-o face a Castela, e prosseguindo, numa segunda fase, a guerra expansionista em Marrocos e o início da exploração atlântica.

Ana Paula Avelar, Veredas da Modernidade-Escrevendo o mundo no Portugal de Quinhentos, Lisboa: Colibri, 2022.
Deverá ter em atenção como se deu a fixação portuguesa em Marrocos, causas, consequências e contingências para a Expansão Portuguesa nos espaços africanos e no Índico, assinalando em particular, as condições cartográficas e náuticas que foram auferidas pelos portugueses e como estas se desenvolveram nos dois espaços oceânicos.

Objetivos

-Analisar o texto proposto;

-Reflectir sobre as causas de fixação dos portugueses em Marrocos, causas e consequências;

-Analisar o espaço de partida e as questões em torno das disputas

no espaço mediterrânico;

Periodizar as várias etapas de expansão e fixação portuguesa no espaço extra-europeu, evidenciando o espaço africano;

-Explicitar as condições cartográficas e náuticas; -Caracterizá-las;

-Confrontar as modalidades de fixação dos Portugueses no espaço africano e nos espaços oceânicos do atlântico e do Índico;

Avaliar as diferentes estratégias usadas pelos monarcas portugueses no decurso da Expansão, esboçando os seus desenvolvimentos e as suas contingências, sempre tendo em atenção o comentário justificado ao texto.

Trabalho a desenvolver

Este trabalho visa aferir a capacidade de análise textual e refletir sobre as causas de fixação dos Portugueses em Marrocos, suas causas e consequências, tendo em atenção as contingências portuguesas. Assim, analisa-se o espaço de partida e as questões em torno das disputas no espaço mediterrânico, periodizando e caracterizando as várias etapas de expansão e fixação portuguesa no espaço extra-europeu, evidenciando o espaço africano. Deve-se refletir sobre as condições cartográficas e náuticas. O confronto das modalidadesde fixação dos portugueses no espaço africano e nos espaços oceânicos nomeadamente no atlântico e do índico deve ser efetuado, avaliando-se as diferentes estratégias usadas pelos monarcas portugueses no decurso da Expansão e esboçando as respetivas contingências.

Apoiados nos materiais disponibilizados e analisados ao longo das últimas semanas e investigando sobre o tema (podendo recorrer à

Web), desenvolva, durante uma semana, um trabalho individual. Neste tem que obrigatoriamente apresentar, em notas de fim de texto, a comprovação, através de documentos que corporizem a sua análise os dados históricos em que se baseia. Tem à sua disposição o fórum onde poderá interagir e colocar as suas dúvidas.

 

TRABALHO: Marrocos na Expansão Portuguesa.

É natural o sublinhado que Ana Paula Avelar coloca em João II, pois é com o Príncipe Perfeito que vemos a coroa começar a dirimir o conflito latente entre duas abordagens expansionistas: uma apostada numa ocupação territorial de conquista clássica de Marrocos, e outra defensora dum lento descer da costa africana à procura dum caminho para as Índias. Se inicialmente há uma sobreposição[i] e até complementaridade destas duas abordagens[ii], complementaridade que atingirá o apogeu sob Manuel I, rei dos Algarves d’Aquém e d’Além[iii] e fará de Lisboa uma das rainhas dos oceanos[iv]; a verdade é que o conflito está lá desde antes de Alfarrobeira. Tanto Pedro[v] como o sobrinho Afonso V[vi] têm opções claras e opostas e ao longo da dinastia esta discussão vai continuar, continuar até Sebastião e o desastre de Alcácer Quibir a resolver de forma rente[vii].

Mas voltemos atrás, para tentar compreender a génese dum processo que, a prazo, criará a visão que temos hoje do mundo[viii], um de que compreendemos as continuidades[ix]. Portugal, nascido na oposição a Castela e Leão, vai-se construir naturalmente de costas para o interior ibérico, concentrando gente e riqueza no litoral atlântico, para onde flui mesmo o que se produz no interior[x]. Desde o início que a coroa compreende e incentiva esta ligação ao mar, com Afonso Henriques a criar uma política de protecção dos mareantes[xi] que se prolongará por toda a dinastia; uma aposta dos afonsinos, que se consubstancia em póvoas e taracenas, em privilégios e isenções, em contratações de talento estrangeiro e bolsas de socorro mútuo[xii], uma aposta que levantará, no dizer de Fernão Lopes, um outro mundo novo e uma nova geração de gentes[xiii]. Uma nova gente de grandes burgueses dum comércio que se internacionaliza da Hansa a Itália (e que os enriquece a ponto de rivalizarem com a fidalguia terratenente) e duma multidão de pequenos “mecânicos” urbanos que com eles vive em simbiose; uma nova gente essencial na subida ao poder de João de Avis[xiv], uma nova gente que lhe fornecerá os quadros letrados para o novo estado[xv]. Esta gente que, afectada pela crise geral europeia procura novos campos de acção, novas fontes de recursos[xvi], enquanto João I, finda a guerra com Castela, se trabalha de imaginar como servir a Deus[xvii] e João Afonso, vedor da Fazenda, fala de Ceuta[xviii] a uns infantes que não querem ser armados cavaleiros que não em chão de batalha[xix].

Ceuta, essa flor de África[xx], coisa nova e continuidade ao mesmo tempo[xxi], é a resposta para muitas perguntas. Fechado o caminho de Granada, a conquista de Ceuta é para o rei um projecto a caminho dum equilíbrio compensado com Castela[xxii] para além da possibilidade do estrangulamento do corso muçulmano pelo controlo do Estreito[xxiii]; para os infantes a esperança dum campo de glória; para a Igreja e a velha fidalguia a continuação natural da Reconquista: um Algarve d’Além Mar onde baptizar e ganhar honra, títulos e saque[xxiv], e construir grandes senhorios numa terra afamada pelas suas capacidades agrícolas[xxv]; e para os ascendentes mercadores, Ceuta é a escápula do cereal norte-africano[xxvi], para além do término de duas grandes rotas que trazem ouro e especiarias desde o Níger[xxvii]. O feixe de vontades[xxviii] abraça o rei falando de fé e lucro[xxix] e Henrique dá o toque final apontando o perigo que é tanto bom homem inactivo, para as pazes castelhanas[xxx]. Três anos de cuidadoso projecto, uma expedição em que tudo corre pelo melhor e Ceuta é conquistada, o primeiro passo está dado[xxxi].

Mas o sucesso de Ceuta é também um fracasso: o assédio contínuo frustra a agricultura e o desvio de rotas comerciais a burguesia[xxxii], nem o corso se trava[xxxiii], mesmo assim o ímpeto continua: menos com Duarte e na regência de Pedro, muito mais com Afonso V, enquanto Henrique vai a pouco e pouco empurrando a exploração Atlântico abaixo. Marrocos transforma-se a paulatinamente num sorvedouro de homens e recursos enquanto o trato costeiro prova a sua rentabilidade[xxxiv]; e chegamos a João II com um princípio de império territorial em Marrocos e meia costa ocidental africana mapeada e dois “partidos” definidos na elite nacional[xxxv]. Um fidalgo e prelado, investido no Norte de África para além do malogro em termos de ocupação territorial ou aproveitamento económico[xxxvi], que mais rapidamente sugerirá abandonar um Oriente já encontrado do que recuar em Marrocos[xxxvii]; e outro, essencialmente burguês, de olhos postos nas Índias Altas e Baixas[xxxviii] à procura de longínquos cristãos e lucrativas especiarias[xxxix], um grupo que vai vencer o medo de sair da barra de Lisboa para o desconhecido[xl] dos grandes mares que comem navios[xli] e descobrir os regimes dos ventos, a maneira de ultrapassar o “pairo” equatorial, a “volta do mar” no Atlântico Sul e a “volta pelo largo” no regresso[xlii], que vai desenvolver a navegação por alturas[xliii] e uma cartografia largamente copiada por mais políticas de sigilo que se tentem impor[xliv]; enquanto a caravela, esse batedor dos mares, evolui constantemente[xlv]. Na elegante expressão de de Oliveira, a escolha faz-se entre conquistar para povoar (em Marrocos) ou conquistar para comerciar (no Oriente)[xlvi], é desta discussão que se gera uma expansão parcelar e contraditória, por acoplagem de pequenas partes[xlvii].

Na obrigação de periodizar este complexíssimo processo, regresso à compreensão de de Oliveira: há nesta fase inicial da Expansão portuguesa quatro etapas claras e percetíveis. Uma primeira[xlviii] que dista da conquista de Ceuta em 1415 ao início da regência de Pedro em 1439. Marcada pela instabilidade da luta intestina do emaranhado de forças que forma os dois “partidos” que discutirão o modo da expansão; com os grandes mercadores, frustrados pelo desvio das rotas de Ceuta, a pouco e pouco a obterem os conhecimentos que lhes permitem navegar cada vez mais longe. Enquanto Henrique e a fidalguia soçobram em Tânger e Leonor se vê sem base de apoio, face a um Pedro, face duma burguesia que chega ao Rio do Ouro, descobre o Mar Tenebroso a sul do Bojador enquanto procura soluções na evolução da caravela.

Uma segunda[xlix] que corresponde à regência de Pedro entre 1439 e 1449. Uma burguesia triunfante mobiliza-se em força e a exploração do Golfo avança; inventa-se a feitoria africana e a exploração comercial “à boa paz”. Particulares licenciados como Lançarote demonstram os potenciais lucros do esclavagismo enquanto o conhecimento europeu desce costa africana abaixo, anotando ventos, correntes e promontórios e incrementando a colonização dos arquipélagos atlânticos como demonstração acabada de como o Atlântico Central já é uma área económica de inegável interesse.

A terceira etapa[l] é a do real reinado de Afonso V entre 1449 e 1482. Morto Pedro e os interesses senhoriais reequilibram a prioridade marroquina, A conquista avança em Marrocos mas a prometedora exploração da Senegâmbia é quase abandonada, a dos rios da Guiné entregue a estrangeiros e mesmo Henrique reflui a sua actividade à consolidação do já colonizado. Mas depois morre, e morrendo o seu imenso património regressa à coroa. Um desinteressado Afonso V entrega esta gestão ao Príncipe João que impõe um monopólio “estatal” e cria a Feitoria da Mina. A “riqueza do trato” acorda concorrentes europeus ao que João responde com uma tentativa de mare nostrum apoiada no sigilo e em pequenas caravelas com grandes bombardas. O colossal aumento de rendimentos advindos da escravatura, tráfego de marfim, malagueta, pimenta de rabo, peles, pedraria e plantas têxteis e tintureiras, justifica o abandono da política paterna e a redução drástica e violenta dos interesses senhoriais. Com um regresso à política de Pedro, sujeita a uma coroa quase absoluta, João transforma Portugal na primeira potência colonial moderna.

Finalmente uma quarta e final etapa[li], a do definitivo reinado de João II. O que acelera a exploração do Atlântico Sul mesmo em detrimento do comércio, o que empurra Cão e Dias numa absoluta certeza da Índia, o que transformará ir à Índia como ir à Bélgica[lii], o duma Europa que controla mares, mas ainda não continentes[liii].

A desistência de Marrocos depois do estertor de Sebastião, será discretamente assumida por João IV no casamento da filha Catarina e eventual, mas abertamente, por Pombal em 1769[liv]. O Império de Portugal não seria em Marrocos. 

 

 

Bibliografia

AVELAR, Ana Paula – Lisboa no séc. XVI – espaço de encontro de culturas na história global. MOOC Lisboa e o Mar – Lisboa no séc. XVI. [em linha] de 19 de Abril de 2015, URL: https://pt.slideshare.net/leaduab/texto1-tema1-moocemmadoc

DOMINGUES, Francisco Cordeiro – A Carreira da Índia. Lisboa: Edição do Clube do Coleccionador, 1998.

GARCIA, José Manuel – Relações interculturais da cartografia portuguesa com as cartografias mediterrânica e oriental. Actas IX Curso de Verão Instituto de Cultura Europeia e Atlântica – Ericeira. [em linha] de 14 de Julho de 2007, URL: https://www.icea.pt/noticias-idx/outros/actas-ix-curso-verao/

OLIVEIRA, Aurélio de et alHistória dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa. Lisboa: Universidade Aberta, 1999.

ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica da Tomada de Ceuta por El Rei D. João I. Lisboa: Academia de Sciências de Lisboa, 1915 [1450].

ZURARA, Gomes Eanes de – Chronica do Descobrimento e Conquista da Guiné. Paris: J.P. Aillaud, 1841 [1453].



[i] OLIVEIRA, A. et al – História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa, p. 155.

[ii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 157.

[iii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 106.

[iv] AVELAR, A.P. – Lisboa no séc. XVI – espaço de encontro de culturas na história global, p. 2.

[v] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 103.

[vi] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 174.

[vii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 137.

[viii] GARCIA, J.M. – Relações interculturais da cartografia portuguesa com as cartografias mediterrânica e oriental, p. 1.

[ix] AVELAR, A.P. cit. iv, ibid.

[x] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 20 – 21.

[xi] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 22.

[xii] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 40 – 45.

[xiii] Fernão Lopes cit. in OLIVEIRA, A. cit. i, p. 49.

[xiv] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 39 – 46.

[xv] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 50.

[xvi] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 51 – 53.

[xvii] ZURARA, G.E. – Crónica da Tomada de Ceuta por El Rei D. João I, p. 23.

[xviii] ZURARA, G.E. cit. xvi pp. 26 – 27.

[xix] ZURARA, G.E. cit. xvi p. 24.

[xx] ZURARA, G.E. cit. xvi p. 248.

[xxi] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 155.

[xxii] Jorge Borges de Macedo in OLIVEIRA, A. cit. i, p. 92.

[xxiii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 91.

[xxiv] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 92 – 93.

[xxv] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 54.

[xxvi] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 91.

[xxvii] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 53 – 54.

[xxviii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 56.

[xxix] Joaquim de Oliveira Martins in OLIVEIRA, A. cit. i, p. 90.

[xxx] ZURARA, G.E. cit. xvi pp. 47 – 48.

[xxxi] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 92.

[xxxii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 155.

[xxxiii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 129.

[xxxiv] ZURARA, G.E. – Chronica do Descobrimento e Conquista da Guiné, pp. 130 – 135.

[xxxv] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 156 – 157.

[xxxvi] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 137.

[xxxvii] carta de Jaime, Duque de Bragança in OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 129 – 130.

[xxxviii] GARCIA, J.M. cit. viii, p. 9.

[xxxix] DOMINGUES, F.C. – A Carreira da Índia, p. 3.

[xl] Fernão Lopes de Castanheda in AVELAR, A.P. cit. iv, p. 17.

[xli] DOMINGUES, F.C. cit. xxxix, pp. 11 – 12.

[xlii] DOMINGUES, F.C. cit. xxxix, pp. 7 – 9.

[xliii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 170.

[xliv] GARCIA, J.M. cit. viii, p. 13.

[xlv] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 165 – 166.

[xlvi] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 132.

[xlvii] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 157 – 158.

[xlviii] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 158 – 166.

[xlix] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 166 – 177.

[l] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 178 – 183.

[li] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 183 – 186.

[lii] AVELAR, A.P. cit. iv, p. 7.

[liii] AVELAR, A.P. cit. iv, p. 18.

[liv] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 137.



 

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