HISTÓRIA DE PORTUGAL MEDIEVAL 1 - Construção do Reino de Portugal.

Temática

Construção do reino de Portugal

Trabalho a desenvolver

Elabore um ensaio (partindo do artigo que encontra no URL infra indicado) através do qual reflita sobre o lugar ocupado pelas atividades militares, na vida concelhia, durante a Reconquista.

AFONSO, Carlos - “Qui dixerit – a las armas”: indícios de atividade militar no quotidiano urbano na Reconquista. In Andrade, Amélia Aguiar; SILVA, Gonçalo Melo da (eds.) - A vida quotidiana da cidade na Europa medieval | Everyday Life in Medieval Urban Europe. Lisboa: IEM Instituto de Estudos Medievais / Câmara Municipal de Castelo de Vide, 2022, pp. 441-452.

 

TRABALHO / RESOLUÇÃO: Construção do Reino de Portugal.

A Europa medieval que verá nascer Portugal mais do que fronteiras, tem frentes de combate. Fora os mares a Norte e a Sul, um hipotético centro-europeu de 1100 veria com facilidade uma longa frente a Leste, da Lituânia a Bizâncio; e a Oeste um claro risco entre os reinos cristãos que descem das Astúrias e os muçulmanos que governam a maioria da Ibéria. Podia-lhe até parecer simples: uma Europa, ordenada segundo a lei de Deus, de Braga a Kiev a Constantinopla, cercada por incréus. A realidade na frente era, necessariamente, bem mais complexa.

Para o nascente Portugal, condado e depois reino, esta frente vai representar cinco gerações a viver em conflito endémicoi, não só com os muçulmanos do Sul, mas também com os malos christianos de Leãoii; e necessariamente um quotidiano e uma estrutura social que reflectem essa guerra crónica.

Nesta terra que a vingança de Deus feriu à ponta de espadaiii, a jovem coroa vê-se obrigada a um equilíbrio entre um poderoso alto-cleroiv, velhos senhores durienses simultaneamente insaciáveisv e habituados à independência do isolamentovi, ordens religioso-militares expansionistasvii e o embrião duma subclasse de povo proto-urbano enriquecido pelo artesanato e comércioviii. Estamos muito longe das tríades abstractas de Adalbéron de Laon, o feudalismo vai ser débilix, para não dizer de um senhor só – o reix – e o principal meio da Reconquista, tanto defensivo como ofensivo, serão os vizinhos dos Concelhosxi, muito mais que os poucos senhores, bem mais administradoresxii que puros bellatoresxiii.

Nesta fronteira marcada a avanços e recuos e salpicada de castelosxiv, estes Afonsos e Sanchos, centralizadores quase desde o inícioxv, vão reconhecer mais do que propriamente oferecerxvi forais aos concelhos fronteiriços. Forais que incharão comunidades a golpes de amnistiasxvii, dependentes dum direito localizado que só desaparecerá com Dinisxviii.

Forais que, na tradição herdada de Fernando Magnoxix, regularão cada vez mais pormenorizadamente as obrigações militares dos concelhosxx, aceleradas ainda pela ameaça almóadaxxi. Obrigações defensivasxxii expressas nas anúduvasxxiii que exigem aos vizinhos a construção e manutenção de fortificações e itineráriosxxiv, para além das gardas patrulheiras que policiam os limites do território controladoxxv e o inevitável adestramento, mais ou menos permanente, de cavaleirosxxvi, besteiros isentos da

jugadaxxvii e peõesxxviii. Se há um facto social totalxxix é uma guerra que dura múltiplas gerações e como sublinha Carlos Afonso, ele próprio um veterano, “as hostes não se improvisam”xxx.

Esta máquina concelhia defensiva era, chegada a Primavera e a época da guerraxxxi, transformada em arma ofensiva; que explodia em fossadosxxxii, azarias ou almofalasxxxiii que arrasavam o território inimigo; ocupando quando podiam, capturando e pilhando tudo quanto móvel, dizimando sempre. Naturalmente estes espóliosxxxiv geravam uma verdadeira economia de saquexxxv, cujas partilhas eram severamente reguladas, a priori, pelos próprios forais, que contratualizavam não só as partes devidas a participantes, comuna, alcaide e monarcaxxxvi (ao nível de hábeis minudências compensatórias a investidores e parentes de cativosxxxvii), como multas por não-participação em acções ofensivasxxxviii.

Esta hibridez e sketchiness fronteiriça, esta zona onde se iguala o lícito ao ilícitoxxxix, também significa um espaço social de oportunidades. Numa sociedade desestruturada pela guerra contínuaxl, a mobilização destes peões e cavaleiros populares dos concelhos para o combatexli (sabendo nós como a cavalaria é um estatuto mais concreto do que simbolicamente fechadoxlii), cria uma porosidade entre a cavalaria-vilã e a nobrezaxliii. O que acaba na prática por representar um quase anátema sob a ideologia dominante medieval europeia: a possibilidade de mobilidade socialxliv.

Estes cavaleiros-vilãos concelhios, a seu tempo, estabelecerão verdadeiras oligarquias locaisxlv; com a pacificação desistem da tentativa de identificação com os senhores guerreiros bellatores e tornar-se-ão, encarnarão os “homens-bons”xlvi. Enquanto os senhorios nortenhos se pulverizamxlvii, presos entre um agnatismo político e um cognatismo patrimonialxlviii, os militum e os aliorumxlix começam a surgir nas Cúrias régias extraordinárias, transformando-as lentamente em Cortesl; como diz Maria Helena da Cruz Coelho, possivelmente em 1250, inequivocamente em 1254li. Obrigando o monarca e os primeiros dois estados a ouvir-lhes as revindicaçõeslii, a reconhecer a necessidade de os escutarliii.

Dum modo ou outro, aqui na ponta Oeste do mapa medieval, criou-se um espaço muito específico; um elemento que, como diria Mattoso, ligaria o regime pré-feudal à modernidade pós-medievalliv; uma máquina de povoar, organizar e controlar o espaçolv, mas também uma máquina de conquista – o Concelho.

 

Bibliografia

Livros
ALVES, José Felicidade – Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147 – carta de um cruzado inglês que participou nos acontecimentos. Lisboa: Livros Horizonte, 2004 [1989].
MATTOSO, José; SOUSA, Armindo –
Segundo Volume A Monarquia Feudal (1096 - 1480). Mattoso, José (dir.) – História de Portugal. s.l.: Círculo de Leitores, 1993.

Artigos
AFONSO, Carlos Filipe – “Qui dixerit – a las armas” indícios de atividade militar no quotidiano urbano na Reconquista. In Andrade, Amélia Aguiar; Silva, Gonçalo Melo da (eds.) – A Vida Quotidiana na Cidade na Europa Mwedieval. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, 2022. pp. 441 – 452.
COELHO, Maria Helena da Cruz –
Um Portugal em Construção: a rede concelhia dos séculos XII e XIII. In Estepa Diez, Carlos; Carmona Ruiz, Maria Antonia (coords.) – La Peninsula Ibérica en Tiempos de las Navas de Tolosa. Madrid: Sociedad Española de Estudios Medievales, 2014. pp. 459 – 480.
COELHO, Maria Helena da Cruz –
As Cortes no reino de Portugal: antecedentes e concretizações. In Ribeiro, Maria Eurydice de Barros; França, Susani Silveira Lemos (orgs.) – A Escrita da História de um lado a outro do Atlântico. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2018. pp. 43 – 59.
MAUSS, Marcel –
Essai sur le Don forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. In L’Année Sociologique Nouv. Série tome I. Paris: Librairie Félix Alcan, 1925. pp. 30 – 186.
SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de –
Linhagem e Estruturas de Parentesco algumas reflexões. In Martin, Georges; Miranda, José Carlos Ribeiro (dir.) – e-Spania revue interdisciplinaire d’études hispaniques médiévales et modernes. Paris: Civilisations et Littératures d’Espagne et d’Amérique du Moyen-Age aux Lumières. No 11 Légitimation et Lignage (Junho de 2011). Disponível em https://journals.openedition.org/e-spania/20366#text
SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de – As Inquirições Medievais Portuguesas (séculos XIII-XIV) Fonte para o estudo da Nobreza e memória

arqueológica breves apontamentos; in Ciências e Técnicas do Património Volume XII, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2013, pp. 275 – 292.

i AFONSO, C.F. – Qui dixerit – a las armas, p. 442.
ii AFONSO, C.F. cit. i, p. 447.
iii ALVES, J.F. – Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147, p. 25.
iv MATTOSO, J.; SOUSA, A. – A Monarquia Feudal, pp. 183-184.
v SOTTOMAYOR-PIZARRO, J.A. de – As Inquirições Medievais Portuguesas, p. 281.  

vi MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 167.
vii MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 236.
viii MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 210.
ix MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 194.
x MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 195.
xi AFONSO, C.F. cit. i, p. 444.
xii MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 175.
xiii AFONSO, C.F. cit. i, p. 444.
xiv AFONSO, C.F. cit. i, p. 446.
xv COELHO, M.H. da C. – Um Portugal em Construção, p. 468.
xvi MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 216.
xvii COELHO, M.H. da C. cit. xv, p. 477.
xviii MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 239.
xix AFONSO, C.F. cit. i, p. 444.
xx COELHO, M.H. da C. cit. xv, p. 460.
xxi MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 238.
xxii MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 238.
xxiii AFONSO, C.F. cit. i, p. 448.
xxiv AFONSO, C.F. cit. i, p. 446.
xxv AFONSO, C.F. cit. i, p. 448.
xxvi AFONSO, C.F. cit. i, p. 450.
xxvii COELHO, M.H. da C. cit. xv, p. 470 e MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 223. 

 xxviii AFONSO, C.F. cit. i, p. 451.
xxix MAUSS, M. – Essai sur le Don, p. 179.
xxx AFONSO, C.F. cit. i, p. 452.
xxxi MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 238.
xxxii COELHO, M.H. da C. cit. xv, p. 466.
xxxiii MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 237.
xxxiv AFONSO, C.F. cit. i, p. 452.
xxxv COELHO, M.H. da C. cit. xv, p. 473.
xxxvi COELHO, M.H. da C. cit. xv, p. 467.
xxxvii MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 238.
xxxviii COELHO, M.H. da C. cit. xv, p. 473.
xxxix ALVES, J.F. cit. iii, p. 68.
xl AFONSO, C.F. cit. i, p. 443.
xli COELHO, M.H. da C. cit. xv, p. 464.
xlii COELHO, M.H. da C. cit. xv, p. 467.
xliii AFONSO, C.F. cit. i, p. 443.
xliv MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 222.
xlv MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 221.
xlvi MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 222.
xlvii SOTTOMAYOR-PIZARRO, J.A. de cit. v, p. 280.
xlviii SOTTOMAYOR-PIZARRO, J.A. de – Linhagem e Estruturas de Parentesco, § 8. 

 xlix COELHO, M.H. da C. – As Cortes no reino de Portugal, p. 54
l COELHO, M.H. da C. cit. xlix, p. 47.
li COELHO, M.H. da C. cit. xlix, p. 58.
lii COELHO, M.H. da C. cit. xlix, p. 54.
liii COELHO, M.H. da C. cit. xlix, p. 59.
liv MATTOSO, J.; SOUSA, A. cit. iv, p. 219.
lv COELHO, M.H. da C. cit. xv, pp. 459 – 460.

 

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