História de Portugal Moderno 1 - Os Poderes

Tema
TEMA 1
-OS PODERES

Objetivos

  • Analisar o período de governação dos Habsburgo, em geral, e de Filipe III, em particular, nas suas múltiplas vertentes;

  • Avaliar as consequências da governação filipina (Flipe I, II e III de Portugal).

 

TRABALHO: Os Poderes.

Na sequência do interregno tumultuoso[i] que foi o reinado do Cardeal-Rei, marcado pela disputa entre possíveis herdeiros e pela pretensão dum poder electivo pelas Cortes, Filipe I ascende a um trono que grande medida herda, conquista e compra[ii]. Filipe consegue, em 1580, um relativo consenso[iii] com uma estratégia que por debaixo do veludo da sedução[iv], esconde o ferro das armas[v]. Mas a realidade é que o “Estatuto de Tomar” mantém o princípio do reino herdado e não conquistado[vi], um reino com as respectivas instituições preservadas, criando em Filipe dois reis num corpo só[vii]; e garantindo aos portugueses um vice-rei de sangue real em caso de ausência do monarca, um conselho governativo sem estrangeiros, a preservação do estatuto dos clérigos, a extensão das jurisdições senhoriais e a abertura dos mercados coloniais espanhóis aos grupos mercantis portugueses[viii]. Em termos relativos entre as possessões dos Áustrias, Tomar representa um acordo especialmente favorável, a raiar uma constituição escrita[ix].

O que não impede que, com a integração na monarquia compósita dos Habsburgos[x], Portugal não lhe tenha também herdado os inimigos. O corte de relações com Inglaterra e as Províncias Unidas afectou o mercado de reexportações coloniais portuguesas, Portugal vê-se a participar na Invencível Armada e as suas colónias passam a ser alvos legítimos para toda a Europa anti-espanhola: com franceses a atacar e ocupar o Maranhão e vários pontos da foz do Amazonas e holandeses a atacar São Tomé e Príncipe, a avançar pelo Extremo Oriente e a instalarem-se em Pernambuco[xi]. Assim por mais que Filipe II mantenha o pacto[xii], a passividade, vista por muitos como humilhante, da via da paz do governo do duque de Lerma[xiii] e a morosidade do circuito do despacho madrileno[xiv] vão a pouco e pouco degradando a relação com o centro, convencendo os portugueses no geral da falta que fazem os olhos do rei[xv].

Entretanto no centro do império, em Madrid, a crise agrava-se. A corte continua a gastar como no tempo de Filipe I mas a prata americana que chega a Sevilha começa a empalidecer; a Junta de Reformacíon propõe mas Uceda (que entretanto substituiu o pai como valido) nada faz de concreto, e Castela exaurida de homens e ressecada de impostos[xvi]. Mas morre Filipe II e a Uceda sucede Zúñiga, Zúñiga e o seu sobrinho Olivares. A indolência dos tempos de Lerma acaba abruptamente com Don Gaspar, um herdeiro dos arbitristas reformadores sem desistir da expectativa dum império universal de face castelhana[xvii], que armado pela confiança pessoal dum Filipe III tão claudicante como seu pai[xviii] enceta decidido um vasto programa reformador com um fito claro.

O objectivo é aliviar a pressão sobre Castela, o programa passa por uma abordagem dupla: por um lado nivelar a pouco e pouco os foros dos vários reinos aos de Castela[xix]multa regna sed una lex – ou seja “castelanizar” as múltiplas legislações do império; compensando esta centralização absolutista com o erigir duma coroa e administração mais integrada, um rei mais atento aos vários reinos e uma administração que mistura castelhanos, aragoneses, portugueses, catalães, italianos, etc.; ou seja “castelanizar” a legislação e “descastelanizar” a coroa e a administração[xx]. A peça central da estratégia de Olivares é a União de Armas, tão bem identificada por de Oliveira como o início das dificuldades[xxi] do grande erro[xxii] do Conde-Duque, ou seja, a criação duma reserva comum de 140 mil homens de armas, providos e sustentados em proporções fixas pelos vários reinos e expedíveis para qualquer ponto do império[xxiii]: protege-se a coroa, alivia-se Castela, incentiva-se uma ideia de destino comum e partilhado entre os súbditos de Filipe. Mas a verdade é que apesar de algum sucesso inicial[xxiv], a reforma interna é empecilhada pelas resistências dos Grandes da corte e dos burocratas da polissinodia madrilena (que não há novas juntas que ultrapassem)[xxv]; entretanto a sucessão em Mântua faz disparar a despesa[xxvi] e Aragão, Valência e a Catalunha rechaçam qualquer tipo de avanço centralista[xxvii]. Os desastres externos sucedem-se[xxviii], a Catalunha levanta-se, e Olivares sem sequer poder contar com Sevilha, para endireitar as contas[xxix].

Em Portugal, debaixo duma Margarida de Sabóia mandatada para infiltrar castelhanos nos conselhos portugueses e dalguma maneira cobrar 500 mil cruzados, o governo cinde-se[xxx] e a rebeldia endémica[xxxi] sobe de tom pelo apertar do fisco, mas ainda não anti-castelhana, só contra os “maus ministros”[xxxii]. Jesuítas sebastianistas pregam[xxxiii] e as revoltas urbanas enchem-se de camponeses famintos desejosos de queimar papéis do fisco[xxxiv], perante a passividade dum Bragança demasiado intricado com o regime e uma classe alta ainda fiel, mesmo que consciente que a União já deu o que tinha a dar[xxxv]. Os motins estendem-se e necessitam de intervenção musculada[xxxvi], mas a coroa mostra-se magnânima condenando poucos à morte e amnistiando os restantes[xxxvii]. Olivares tenta matar dois coelhos e manda a nobreza portuguesa abafar a rebelião catalã e só acaba a acelerar Lisboa: Vasconcelos vê-se defenestrado e João aclamado[xxxviii].

No conflito entre o contratualismo tradicional e o absolutismo que salvaria o império dos Áustrias[xxxix], Olivares jogou forte, mas acabou por precipitar o desastre que queria evitar[xl], desencadeando a Restauração em Portugal.

 

Bibliografia

CUNHA, Mafalda Soares da – O Povo levantado contra D. Filipe III de Portugal. in Cunha, Mafalda Soares da (coord.) Resistências. Insubmissão e Revolta no Império Português. Lisboa: Casa das Letras, 2021, pp. 113 – 120.

ELLIOTT, J.H. – Imperial Spain 1469 – 1716. London: Penguin Books, 2002 [1963].

OLIVEIRA, António de – D. Filipe III. Lisboa: Círculo de Leitores, 2005.

RAMOS, Rui (coord.) – História de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009.


[i] RAMOS, R. – História de Portugal, p. 263.

[ii] RAMOS, R. cit. i, p. 265.

[iii] CUNHA, M.S. – O Povo levantado contra D. Filipe III de Portugal, p. 113.

[iv] RAMOS, R. cit. i, p. 269.

[v] RAMOS, R. cit. i, p. 267.

[vi] RAMOS, R. cit. i, p. 272.

[vii] OLIVEIRA, A. – D. Filipe III, p. 72.

[viii] RAMOS, R. cit. i, p. 271.

[ix] RAMOS, R. cit. i, pp. 272 - 273.

[x] RAMOS, R. cit. i, p. 250.

[xi] RAMOS, R. cit. i, pp. 278 – 281.

[xii] OLIVEIRA, A. cit. vii, p. 70.

[xiii] ELLIOTT, J.H. – Imperial Spain 1469 - 1716, p. 216.

[xiv] RAMOS, R. cit. i, pp. 274 – 275.

[xv] OLIVEIRA, A. cit. vii, p. 71.

[xvi] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, pp. 214 – 215.

[xvii] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, p. 216.

[xviii] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, p. 215.

[xix] OLIVEIRA, A. cit. vii, p. 69.

[xx] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, p. 219.

[xxi] OLIVEIRA, A. cit. vii, p. 72.

[xxii] OLIVEIRA, A. cit. vii, p. 68.

[xxiii] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, p. 219.

[xxiv] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, p. 216 / p. 221.

[xxv] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, p. 217 / p. 223.

[xxvi] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, pp. 222 – 223.

[xxvii] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, p. 220.

[xxviii] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, p. 227.

[xxix] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, pp. 228 – 229.

[xxx] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, p. 224.

[xxxi] CUNHA, M.S. cit. iii, p. 113.

[xxxii] RAMOS, R. cit. i, p. 287.

[xxxiii] CUNHA, M.S. cit. iii, p. 118.

[xxxiv] CUNHA, M.S. cit. iii, pp. 116 – 117.

[xxxv] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, p. 224.

[xxxvi] CUNHA, M.S. cit. iii, p. 118.

[xxxvii] CUNHA, M.S. cit. iii, pp. 118 – 119.

[xxxviii] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, p. 230.

[xxxix] OLIVEIRA, A. cit. vii, p. 70.

[xl] ELLIOTT, J.H. cit. xiii, p. 231.



 

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