HISTÓRIA DOS DESCOBRIMENTOS E DA EXPANSÃO PORTUGUESAS 2 - Cartografando espaços, historiografando permanências imperiais.

Tema

Cartografando espaços, historiografando perrmanências imperiais a partir do comentário e confronto analítico dos textos de Borges Coelho, livro
Esfera do Mundo (texto 1) Ana Paula Avelar, Veredas da Modernidade .... (texto 2) e da imagem 1-Armada de 1500

O trato da Guiné e da mina unia em triângulo Lisboa aos portos da Berberia e aos rios da Guiné, em particular ao Castelo e feitoria de Arguim, à fortaleza de S. Jorge da Mina e à Casa de Axém. (texto 1)

Nas cartas escritas por Colombo, este evoca a generosidade dos índios, o seu desprendimento face aos bens materiais, a completa inexistência de artificialidade no modo como se relacionam com os Outros.(texto 2)

Objetivos

Periodizar as etapas de domínio português no espaço extra-europeu, tendo em atenção os excertos de Borges Coelho, Ana Paula Avelar e a imagem 1 comentando-os e confrontando-os analiticamente;

-Caracterizar as diferentes etapas da Expansão e fixação nos espaços extra-europeus; -Confrontar detalhadamente tais etapas, com o diferente tipo de embarcações que vão sendo utilizadas pelos portugueses, atendendo às armadas portuguesas;
- Explicar detalhadamente a criação da carreira da Índia;

-Explicitar como estas etapas estão directamente relacionadas com o cartografar dos espaços;

-Avaliar de que modo o cartografar dos espaços oceânicos (Atlântico e Índico) e as embarcações aí utilizadas pelos portugueses se inserem nas diferentes estratégias usadas pelos monarcas portugueses decurso da Expansão;

-Problematizar a questão da evolução do império português no século XV-XVI, desenvolvendo a análise aprofundada dos textos narrativos e visuais .

Trabalho a Desenvolver :

Este trabalho visa periodizar as etapas de domínio oceânico nos séculos XV-XVI, a partir da análise dos textos, caracterizando-as, devendo-se estas ser confrontadas com o diferente tipo de

embarcações que vão sendo utilizadas pelos portugueses. Por outro lado, pretende-se que explique detalhadamente a criação da carreira da Índia e explicite como estas etapas estão directamente relacionadas com o cartografar dos espaços, avaliando-se de que modo este cartografar e o próprio historiografar dos espaços oceânicos (Atlântico e Índico) e as embarcações aí utilizadas pelos portugueses se inserem nas diferentes estratégias usadas pelos monarcas portugueses no decurso da Expansão. Por último, deverá problematizar a questão da evolução do império português no século XV-XVI, tendo sempre em atenção os textos e a imagem, confrontando outras visões,

citando- os.

Apoiado nos materiais disponibilizados e analisados ao longo das semanas anteriores, e investigando sobre o tema, desenvolva, durante uma semana, um trabalho individual.

Nota Final : Recorda-se que no último ensaio a centração da abordagem foi um olhar a partir de Marrocos. Agora o enfoque é construído a partir dos textos de Borges Coelho e Ana Paula Avelar , para além da imagem 1.

 

TRABALHO / RESOLUÇÃO: Cartografando espaços, historiografando permanências imperiais.

É impossível olhar para a Expansão portuguesa e não lhe identificar imediatamente o seu carácter fundamentalmente tacteante. A conquista não é construída nem ao acaso nem dum jacto, mas sim passo a passo, parcelar e conscientemente, consoante os arroubos de curiosidade e aventura[i], medindo prudentemente a amálgama de motivações e interesses (que vão do proselitismo religioso à auri sacra fames)[ii] contra as capacidades dos sucessivos momentos; na expressão exacta de de Oliveira: num ajuste entre a necessidade e a possibilidade[iii]. Portugal foi a primeira potência colonial europeia moderna[iv] e a última a recuar às suas fronteiras europeias; num tempo longo vemos o foco expansionista sucessivamente a cair sobre Marrocos, a costa ocidental africana, a Índia, o Brasil e a África continental, mas do início ao fim Lisboa chora os embarcados à saída da barra[v], sempre consciente do perigo prenhe (entre 5 e 50% de mortalidade na Carreira da Índia por exemplo[vi]) nesse passo no desconhecido.

Ceuta de 1415 é, paradoxalmente, continuidade e absoluta novidade[vii]: se por um lado nos surge como a continuação da Reconquista num Algarve d’Além Mar, por outro é fruto duma infraestrutura lentamente construída pelo menos desde o séc. XII; um substrato de grandes mercadores e armadores apoiados pela coroa, de conhecimentos técnicos em construção naval, navegação, cartografia e astronomia (inspirados na experiência mediterrânica e islâmica, mas optimizados localmente)[viii], um substrato que, como diz Adão da Fonseca, já tinha feito perder a Portugal o carácter de finisterra, elevando-o a actor privilegiado na Europa, mesmo antes da Expansão[ix].

Mas Ceuta isolada é só prejuízo, obrigando a uma conquista marroquina[x], isto enquanto é a exploração costeira África abaixo que cheira a ouro e especiarias[xi]. E esta é provavelmente a primeira grande discussão do processo: conquistar para povoar ou conquistar para comerciar?[xii] Vemos claras as sucessivas inclinações do Infante Regente e de Afonso V e adivinhamos com clareza as duas correntes sociais que apoiam políticas opostas[xiii]; mas nem o apogeu marroquino sob Manuel I[xiv] apaga a riqueza do trato costeiro: primeiro no Rio do Ouro, depois costa do Golfo da Guiné abaixo[xv], eventualmente com S. Jorge da Mina[xvi], como sublinha Borges Coelho no excerto, pelo tempo de João II a riqueza do trato é evidente, a “política de transporte” impõe-se[xvii].

A permanente adaptabilidade da expansão portuguesa vê-se não só na dupla face do comércio à boa paz (se possível) mas com o recurso à guerra (sempre que necessário)[xviii], como na colonização propriamente dita, esse fenómeno novo segundo de Oliveira[xix], como meio de garantir uma produção[xx] que alimente as triangulações dum comércio cada vez mais espacialmente dilatado; primeiro recorrendo aos naturais dum Portugal já metrópole (Madeira, Açores) e quando as geografia e clima se lhes impõem, à miscigenação (Cabo Verde, São Tomé)[xxi].

Permanente adaptabilidade também nos recursos técnicos, cujo corolário tem de ser a rapidez com que a caravela, esse batedor dos mares[xxii], se vê substituída pela nau logo que Bartolomeu Dias lhe declara a missão concretizada[xxiii]. Se ainda é numa “barca” que Gil Eanes dobra o Bojador[xxiv], vai ser um cáravo-à-vela[xxv] em crónico aperfeiçoamento – a caravela – essa boa veleira de pequeno calado capaz de bolinar com a sua combinação de velame redondo e latino, a protagonista da exploração pelo menos até às Tormentas[xxvi]; mas imediatamente relegada para apoio quando há mester de navios maiores que forrem a despesa[xxvii], não só de enfrentar mares borrascosos[xxviii], mas para justificar pelo aumento da tonelagem e capacidade defensiva o largo da viagem[xxix]; e Gama vê-se a comandar mais naus que caravelas.

Sim, porque se com João II a certeza da Índia se concretiza, o aceleramento da exploração faz-se por cima da exploração comercial do sul ocidental africano[xxx] e todos os avanços de navegação (a volta pelo largo) e astronomia (orientação por alturas)[xxxi] e cartografia (de origem mediterrânica que prontamente acolherá influências orientais)[xxxii], todas as descobertas de regimes de ventos[xxxiii] e discussões sobre avançar pelo golfão ou costa abaixo[xxxiv] se acumulam nesse remate final duma penosa gesta que é a primeira viagem de Vasco da Gama[xxxv]; e é Manuel I quem colhe os louros. Cabral avança com a mais formosa e poderosa frota alguma vez saída de Lisboa[xxxvi] (apesar das dificuldades visíveis na imagem do Livro das Armadas), Gama na sua segunda viagem justifica todo o investimento e rapidamente a Carreira se torna anual e na espinha dorsal da economia nacional[xxxvii].

Economicamente, o Ocidente e o Oriente soldam-se, o Egipto e Veneza sentem o impacto[xxxviii] enquanto a Rua Nova dos Mercadores se enche com todas as línguas do mundo[xxxix] e a economia europeia se atlantiza entre Lisboa e Antuérpia. Os portugueses, nas suas naus, piores de navegar, mas de maior tonelagem e mais artilharia[xl], traquejados pelo Atlântico mas lestos a aprender com pilotos locais[xli], passam das feitorias-fortalezas da África ocidental às fortalezas-feitorias do Oriente[xlii] e rapidamente dominam o Índico. Francisco de Almeida controla o tráfico de ouro esmagando a concorrência pelo controlo dos nós nevrálgicos[xliii]; Afonso de Albuquerque consolida e quase fecha o Mar Vermelho e o Golfo Pérsico, reforça o controlo sobre a África oriental e com Malaca abre a passagem para o Pacífico: o Golfo de Bengala, a China, as Molucas[xliv]. As saídas de Lisboa para o Oriente explodem, 97 navios só nos primeiros nove anos, à razão duma média de 400 a 500 homens de equipagem[xlv] (só Cabral ultrapassa os 1500)[xlvi], são milhares de europeus a ir e a voltar nestas viagens de 15 meses; a nau evolui em galeão português para, mais rápido e melhor veleiro[xlvii], poder proteger as naus ajoujadas de riquezas[xlviii], a Carreira estabelece-se para três séculos e meio[xlix].  

E, entretanto, descobre-se um mundo mesmo novo. Entre as Antilhas de Colombo[l] e a Vera Cruz de Cabral – eximindo-me ao debate, apaixonante e apaixonado diz de Oliveira[li], da intencionalidade da chegada ao Brasil – os europeus encontram, como vemos no excerto de Ana Paula Avelar, um Outro completamente diferente e inesperado. Uns Outros com quem inicialmente não há fala ou entendimento de proveito, uns Outros que, por fazerem tanto caso de cobrir as vergonhas como a cara, surgem aos europeus como duma inocência entre o irreal e o paradisíaco[lii].

Inicialmente amistosos e tão curiosos connosco como nós com eles, verdadeiramente maravilhados pelos “saltos reais” de Diogo Dias[liii]; nesses dias do fim de Abril, inícios de Maio de 1500, há realmente o encontro de dois mundos que não desconfiavam sequer da existência um do outro. Eventualmente os portugueses reconhecerão no Brasil a terra graciosa que, em se querendo aproveitar, tudo nela se dá, e ao ciclo do pau brasil e dos papagaios seguir-se-á o da cana de açúcar, o ouro, eventualmente o café e o gado; mas por enquanto, com o foco na Índia e a estratégia de controlo do Atlântico Sul, Vera Cruz é antes de mais um ponto de apoio para a “volta pelo largo”; nas palavras de Pero Vaz: E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecut, isso bastaria[liv].

A expansão ultramarina dos portugueses, com estas características de permanente adaptabilidade e sucessiva acoplagem de pequenos espaços[lv], vai representar muita coisa numa História conjunta da Humanidade, a menor das quais não serão a incorporação do Atlântico, Índico e bocas do Pacífico no conhecimento geográfico europeu e a ligação directa das economias do Ocidente e do Oriente[lvi]; Nas, caracteristicamente exactas, palavras de de Oliveira: um paulatino e gradativo processo de sobreposição e soldagem de sucessivos quadros geográficos[lvii] que produz, logo em 1515, o primeiro atlas universal moderno no “Livro de Francisco Rodrigues”[lviii], expressão primeva duma nova maneira de ver e descrever o mundo e primeira manifestação duma economia, agora sim, global[lix].

 

Bibliografia

AVELAR, Ana Paula – Lisboa no séc. XVI – espaço de encontro de culturas na história global. MOOC Lisboa e o Mar – Lisboa no séc. XVI. [em linha] de 19 de Abril de 2015, URL: https://pt.slideshare.net/leaduab/texto1-tema1-moocemmadoc

DOMINGUES, Francisco Cordeiro – A Carreira da Índia. Lisboa: Edição do Clube do Coleccionador, 1998.

GARCIA, José Manuel – Relações interculturais da cartografia portuguesa com as cartografias mediterrânica e oriental. Actas IX Curso de Verão Instituto de Cultura Europeia e Atlântica – Ericeira. [em linha] de 14 de Julho de 2007, URL: https://www.icea.pt/noticias-idx/outros/actas-ix-curso-verao/

GUEDES, Max Justo (coord.) – A Viagem de Pedro Álvares Cabral e o Descobrimento do Brasil 1500 – 1501. Lisboa: Academia de Marinha, 2003.

OLIVEIRA, Aurélio de et alHistória dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa. Lisboa: Universidade Aberta, 1999.


[i] OLIVEIRA, A. et al – História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa, p. 157.

[ii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 53.

[iii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 219.

[iv] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 182.

[v] AVELAR, A.P. – Lisboa no séc. XVI – espaço de encontro de culturas na história global, p. 17

[vi] DOMINGUES, F.C. – A Carreira da Índia, p. 28.

[vii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 155.

[viii] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 215 – 218.

[ix] Luís Adão da Fonseca cit. in OLIVEIRA, A. cit. i, p. 216.

[x] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 102.

[xi] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 53.

[xii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 132.

[xiii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 159.

[xiv] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 106.

[xv] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 164 – 168.

[xvi] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 179 – 182.

[xvii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 271.

[xviii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 196.

[xix] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 278.

[xx] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 271 – 272.

[xxi] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 300 – 303.

[xxii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 166.

[xxiii] DOMINGUES, F.C. cit. vi, pp. 10 – 11.

[xxiv] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 220.

[xxv] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 218.

[xxvi] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 221 – 223.

[xxvii] Pde. Fernando Oliveira cit. in DOMINGUES, F.C. cit. vi, p. 14.

[xxviii] GUEDES, M.J. – A Viagem de Pedro Álvares Cabral e o Descobrimento do Brasil, p. 71.

[xxix] DOMINGUES, F.C. cit. vi, pp. 12 – 17.

[xxx] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 183 – 186.

[xxxi] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 170.

[xxxii] GARCIA, J.M. – Relações interculturais da cartografia portuguesa com as cartografias mediterrânica e oriental, p. 3; p. 17.

[xxxiii] DOMINGUES, F.C. cit. vi, p. 7.

[xxxiv] Duarte Pacheco Pereira cit. in GARCIA, J.M. cit. xxxi, p. 7.

[xxxv] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 194.

[xxxvi] João de Barros cit. in GUEDES, M.J. cit. xxviii, p. 70.

[xxxvii] DOMINGUES, F.C. cit. vi, p. 2; OLIVEIRA, A. cit. i, p. 195.

[xxxviii] Jaime Cortesão cit. in OLIVEIRA, A. cit. i, p. 201.

[xxxix] Damião de Góis cit. in AVELAR, A.P. cit. v, p. 10.

[xl] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 223 – 228.

[xli] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 197.

[xlii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 271.

[xliii] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 198 – 202.

[xliv] OLIVEIRA, A. cit. i, pp. 202 – 208.

[xlv] AVELAR, A.P. cit. v, pp. 14 – 15.

[xlvi] GUEDES, M.J. cit. xxviii, p. 76.

[xlvii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 229.

[xlviii] DOMINGUES, F.C. cit. vi, p. 18.

[xlix] DOMINGUES, F.C. cit. vi, p. 3.

[l] GARCIA, J.M. cit. xxxii, pp. 4 – 5.

[li] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 328.

[lii] Pero Vaz de Caminha cit. in GUEDES, M.J. cit. xxviii, pp. 190 – 191.

[liii] Pero Vaz de Caminha cit. in GUEDES, M.J. cit. xxviii, p. 196.

[liv] Pero Vaz de Caminha cit. in GUEDES, M.J. cit. xxviii, p. 202.

[lv] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 158.

[lvi] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 195.

[lvii] OLIVEIRA, A. cit. i, p. 271.

[lviii] GARCIA, J.M. cit. xxxii, pp. 13 – 14.

[lix] AVELAR, A.P. cit. v, pp. 19 – 20.



 

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