Pré e Proto-História de Portugal 2 take 2 - O Campaniforme.

Trabalho a desenvolver

Na abordagem e consequente desenvolvimento deste tema, devem ser tidos em consideração aos seguintes tópicos:

1 O faseamento interno do Campaniforme e cronologia; a distribuição geográfica e a tipologia dos artefactos arqueológicos mais característicos; o tipo de povoamento a que está associado;

2 As actividades económicas e a organização social.

 

TRABALHO / RESOLUÇÃO: O Campaniforme.

Falamos do Campaniforme como um “fenómeno”, duma forma propositadamente ambígua[i] e lata[ii], porque por mais que lhe reconheçamos características facilmente identificáveis e relativamente homogéneas a nível europeu[iii], e que no espaço nacional surge como que por corte, sem analogias com práticas anteriores[iv], e o tem elevado a “fóssil director” para o nosso fim de Calcolítico[v]; mesmo assim, o debate grassa desde os anos 20 do século passado[vi]. Um conjunto constituído de vasos campaniformes ditos “marítimos”, caçoilas acampanadas, grandes taças “tipo Palmela” (com ou sem bordo decorado), taças de pé mais pequenas e as “garrafas”; conjunto que se pode apresentar decorado com impressões pontilhadas ou incisas, em composições geométricas, mas também figurativamente com cervídeos, com ou sem pasta branca a sublinhar as impressões[vii]. Conjunto que surge em reconhecida associação regular[viii] com um “pacote” que inclui amiúde braçais de arqueiro, botões de osso polido, armas de cobre e artefactos de ouro[ix]. Se, nas camadas correspondentes à segunda metade do III milénio a.C., encontramos disseminada esta panóplia campaniforme por todo o território nacional[x], a sua distribuição é muito irregular. Assim se a baixa Estremadura, à volta do Tejo e do Sado, é a zona indiscutivelmente mais rica[xi], a um nível que a torna importante a nível europeu, ela surge por todo o litoral e penetra centro acima e Alentejo adentro[xii], a pouco e pouco cada vez mais vestigialmente[xiii], mas até no baixo Alentejo e Algarve ainda que de forma esparsa e excepcional[xiv] e na Beira Alta subindo ao longo dos cursos dos rios[xv] vamos encontrando a sua presença.

Encontramos vasos “marítimos” decorados a pontilhado (como em Penha Verde, Zambujal, Rotura, Vila Nova de S. Pedro, Tituaria, Porto Torrão, Porto das Carretas, Monte do Trigo, Junqueira, Urreira, Castelo-Fajões, Chã de Carvalhal, Leceia, Monte do Castelo, Freiria e Moita da Ladra); caçoilas a pontilhado (Zambujal, Rotura, V.N. de S. Pedro, Pai Mogo, Porto Torrão, Cerro dos Castelos de S. Brás, Penha Verde, Verdelha dos Ruivos, Leceia, Freiria, Ponte da Lage, Moita da Ladra); taças de bordo aplanado a pontilhado (Quinta do Anjo); taças hemisféricas e em calote pontilhadas (Porto Torrão, Leceia, Freiria, Moita da Ladra, Verdelha dos Ruivos); taças tipo “Palmela” pontilhadas (Rotura, Pai Mogo, Aljustrel, Leceia, Freiria, Ponte da Lage, Verdelha dos Ruivos); “marítimos” decorados por incisão (Monte do Castelo, Freiria); caçoilas incisas (Malhadas, Montes Claros, Verdelha dos Ruivos, Vale Vistoso, Herdade das Casas do Canal, Pedra Branca, Leceia, Freiria, Ponte da Lage, Moita da Ladra); taças de bordo aplanado incisas (Quinta do Anjo); taças em calote incisas (Malhadas, Freiria); taças “Palmela” incisas (Malhadas, Montes Claros, Tituaria, Outeiro de S. Bernardo, Vale Vistoso, Pedra Branca, Leceia, Monte do Castelo, Freiria, Ponte da Lage, Verdelha dos Ruivos) e “garrafas” (Pedra Branca). Encontramos também associados braçais de arqueiro (Pai Mogo, Porto Torrão, Pedra Branca); botões de osso (Pai Mogo, Porto Torrão); punhais de lingueta (Pai Mogo, Outeiro de S. Bernardo, Monte do Tosco, Chã de Carvalhal); pontas “Palmela” (Pai Mogo, Outeiro de S. Bernardo, Três Moinhos, Pedra Branca, Forno da Cal, Chã de Carvalhal) e artefactos em ouro (S. Pedro do Estoril, Porto Torrão, Três Moinhos)[xvi]. O conjunto cerâmico é tipologicamente decomponível em três grandes grupos: o Grupo “Internacional” onde pontuam os vasos “marítimos” em campânula invertida decorados a pontilhado, o Grupo de Palmela com as suas grandes taças de lábio decorado a pontilhado e finalmente o Grupo Inciso caracterizado pela aplicação deste tipo de decoração aos vários tipos de recipientes; grupos aos quais se admite sobreposições e coexistências (aliás, continuando o processo lento que Kunst propõe para a passagem da cerâmica calcolítica para a campaniforme no Zambujal[xvii]), mas que têm uma sucessão cronológica que vai dum “Internacional” mais antigo a um Inciso mais recente[xviii].

Apesar da dificuldade em criar uma cronologia fina para o fenómeno campaniforme, conseguimos colocar a emergência do mais antigo destes Grupos ainda na primeira metade do III milénio a.C.[xix], se não mesmo no primeiro quartel (o que o torna coevo do início do Calcolítico Pleno)[xx]; sendo que o mais recente, o Inciso, vemos a prolongar-se pela Idade de Bronze[xxi]. Portanto um Campaniforme que, na Estremadura portuguesa especificamente, vemos reinar entre ca. 2800 a 2300 a.C.[xxii]. Ora, mesmo eximindo-me à questão da origem que tem vindo a dividir especialistas entre as possibilidades dum “Beaker People”, dum fluxo e refluxo difusores da técnica ou até de desenvolvimentos independentes que explicariam as variantes regionais[xxiii], esta datação coloca em questão o modelo que associava a eclosão do Campaniforme ao abandono quase generalizado das grandes fortificações calcolíticas por uma distribuição dispersa em pequenos povoados abertos[xxiv]. Mas sabemos que houve coexistência dos dois tipos de povoamento com influências mútuas[xxv], e o surgir duma sociedade com excedentes agropecuários que permitiu a emergência duma élite de face guerreira[xxvi], e o assomar duma cerâmica nova que, não sendo de luxo[xxvii], coexistia com formas calcolíticas anteriores[xxviii] e rapidamente desenvolveu formas regionais[xxix]. E como defende João Luís Cardoso: o novo não é necessariamente exógeno[xxx].     

Bibliografia

CARDOSO, João Luís – Pré-História de Portugal. Lisboa: Universidade Aberta, 2007.

CARDOSO, João Luís – O povoamento Campaniforme em torno do estuário do Tejo: cronologia, economia e sociedade. in GONÇALVES, V.S. (ed.) Estudos & Memórias 10 Sinos e Taças – junto ao oceano e mais longe. Aspectos da presença campaniforme na Península Ibérica. Lisboa: Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa – Faculdade de Letras, 2017, pp. 126 – 141.

CARDOSO, João Luís; SOARES, António Manuel Monge – Cronologia absoluta para o Campaniforme da Estremadura e do Sudoeste de Portugal. in O Arqueólogo Português Série IV 8/10. Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia, 1990 – 1992, pp. 203 – 228.

GONÇALVES, Victor S. – Sinos, Taças e coisas assim, junto ao oceano e mais longe. Algumas reflexões sobre a presença Campaniforme em Portugal. in GONÇALVES, V.S. (ed.) Estudos & Memórias 10 Sinos e Taças – junto ao oceano e mais longe. Aspectos da presença campaniforme na Península Ibérica. Lisboa: Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa – Faculdade de Letras, 2017, pp. 6 – 27.



[i] CARDOSO, J.L. – Pré-História de Portugal, p. 423.

[ii] GONÇALVES, V.S. – Sinos, Taças e coisas assim, junto ao oceano e mais longe..., p. 8.

[iii] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 395.

[iv] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 424.

[v] CARDOSO, J.L.; SOARES, A.M.M. – Cronologia absoluta para o Campaniforme da Estremadura e do Sudoeste de Portugal, p. 206.

[vi] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 423.

[vii] GONÇALVES, V.S. cit. ii, pp. 8 – 9.

[viii] CARDOSO, J.L.; SOARES, A.M.M. cit. v, p. 205.

[ix] GONÇALVES, V.S. cit. ii, p. 9.

[x] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 428.

[xi] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 398.

[xii] v. fig. 1 in CARDOSO, J.L. – O povoamento Campaniforme em torno do estuário do Tejo, p. 128.

[xiii] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 417.

[xiv] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 415.

[xv] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 420.

[xvi] CARDOSO, J.L. cit. i, pp. 398 – 420; CARDOSO, J.L. cit. xii, p. 130 – 138.

[xvii] CARDOSO, J.L. cit. i, pp. 401 – 402.

[xviii] CARDOSO, J.L. cit. i, pp. 396 – 397.

[xix] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 424.

[xx] CARDOSO, J.L.; SOARES, A.M.M. cit. v, p. 221.

[xxi] CARDOSO, J.L.; SOARES, A.M.M. cit. v, p. 206.

[xxii] CARDOSO, J.L.; SOARES, A.M.M. cit. v, p. 225.

[xxiii] CARDOSO, J.L. cit. i, pp. 395 – 396; GONÇALVES, V.S. cit. ii, p. 16.

[xxiv] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 407.

[xxv] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 408.

[xxvi] CARDOSO, J.L. cit. i, pp. 426 – 427.

[xxvii] GONÇALVES, V.S. cit. ii, p. 9.

[xxviii] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 421.

[xxix] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 397.

[xxx] CARDOSO, J.L. cit. i, p. 423.



 

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