Seminário I 2 - Oligarquias Municipais segundo Baquero Moreno.

Temática

A constituição das Oligarquias Municipais: respetivas competências e atuação

Trabalho a desenvolver

O presente trabalho consiste em redigir um texto da exclusiva autoria do estudante, no qual destaque as principais linhas de força do artigo científico apresentado, a saber:

Moreno, H. B. - "As oligarquias urbanas e as primeiras burguesias em Portugal", in Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, vol. 11, Porto, FLUP, 1994

TRABALHO / RESOLUÇÃO: Oligarquias Municipais segundo Baquero Moreno.

 

Partindo da análise de Humberto Baquero Moreno tentar-se-á aqui, sucintamente, compreender as oligarquias municipais portuguesas tardo-medievais. Tentar compreendê-las na medida de quem eram, de quem não eram (e com quem concorriam) e, finalmente, tentar compreender-lhes o movimento na História do país.

Baquero Moreno, com a habitual clareza, define-nos o fenómeno: a tendência municipalista da primeira dinastia nacional cria espaço para a promoção de grupos de famílias e indivíduos que apesar de formalmente, segundo a lógica vigente das ordens, pertencerem ao Terceiro Estado, ganham uma ascendência local sobre a coisa pública que os eleva à condição de pequenas oligarquias. Nesta híbrida posição intermédia entre Povo e Nobreza vamos encontrar a cavalaria-vilã fronteiriça, que o autor não se coíbe de chamar “classe média das áreas rurais” (MORENO, op. cit. p. 112) pela sua terratenência, e que já se gaba de curtas linhagens; mas também a florescente “classe” de grandes comerciantes litorâneos e sua descendência letrada (lentes universitários, advogados, procuradores, tabeliães, médicos, etc.), parte das vezes educada a expensas da coroa no estrangeiro (Salamanca, Bolonha, Siena, etc.), que ganha consciência de si no funcionalismo dum Estado nascente mas crescentemente absorvedor.

Estas medrantes oligarquias locais vão usando da sua hegemónica açambarcação das magistraturas municipais (com clássicas estratégias de reprodução endogâmica), Millan da Costa fala em “profissionais da vereação” (cit, in. ibidem, p. 117), e da constância de contacto com o centro do poder; acopladas à crescente afirmação do Estado e ao gozo da possibilidade de transformar as suas queixas em “protestos da cidade”; para afirmar o seu poder e a defesa dos seus interesses tanto locais (pedindo o recuo dos magistrados de nomeação régia) como ao nível do reino (pela tentativa de monopólio dos cargos nas Cortes). Tudo isto, sem Baquero Moreno nos deixar esquecer as contínuas lutas intestinas que permeavam estas contas locais: Pinheiros e Mendanhas em Barcelos ou os bandos rivais sem quartel em Olivença que obrigaram à intervenção da rainha-viúva Dª. Leonor, de exemplo.

A seguir, quem eles não eram. Contrariando a lógica coeva das Ordens estas oligarquias urbanas eram, antes de mais, constituídas por gente muito acima dos mesteirais, menos ricos mesmo que mais numerosos; longe desses baixos mercadores de loja, de tenda ou pior ainda, ambulantes, que se viam sistematicamente barrados no ingresso às esferas do poder local (ibidem, p. 135), pequenos comerciantes completamente diferentes em efectivo poder e estilo de vida dos mercadores internacionais ou “cambiadores” que pareciam e se comportavam mais como nobres do que como rasos mecânicos urbanos ou almocreves ambulantes.

Por outro lado, continuavam submetidos à mesma lógica coeva das Ordens, e assim abaixo duma fidalguia que, por mais que se lhes imiscuísse no trato, dava “má vizinhança a muitos moradores” dos concelhos: impunemente a roubar carneiros e galinhas, a ocupar casas e a consumir palha e cereal, abusando de mulheres honestas e espancando judeus e judias, intervindo abusivamente em reuniões camarárias e multiplicando “acostados” com cartas de isenção que os eximiam de obrigações municipais (em proporções que chegavam a fazer de 330 elegíveis, 30 efectivos, como na Lamego de 1441); a apelar mais ou menos impotentemente às Cortes reais, por mais que regentes mandem penhorar em dobro o devido.

Sobrando o definitivo ódio à concorrência, ou seja, o purulentamente crónico conflito com os mercadores estrangeiros “estantes” no reino; que gerou avanços e recuos na liberalização do comércio e nos proteccionismos (o açúcar madeirense) quando comparados com os privilégios concedidos em Gante ou Bruges aos mesmos grandes mercadores portugueses que clamavam, nas Cortes, pela simples expulsão de todos os estrangeiros (ibidem, pp. 116 – 117).

Finalmente, como evolui este sub-grupo na vasta e heterogénea categoria que era o Povo? A natureza pode não ter horror ao vazio, mas as construções sociais têm-no definitivamente ao híbrido (DOUGLAS, op. cit. pp. 37 – 40). Lembrando-nos aqui das, repetidamente falhadas, tentativas de defesa contra a progressiva senhorialização dos próprios municípios por uma coroa cada vez mais centrípeta (exemplo final: D. João II, sempre lesto a castigar os abusos fidalgos, a mostrar-se bem mais reticente em dar provisão às pretensões auto-gestionárias e anti-centralizadoras dos municípios: MORENO, op. cit. pp. 120 – 121); o caminho para a manutenção do poder deste estrato foi um de dois, que não só não se excluíam mutuamente como no fundo redundavam na mesma saída. Estas duas vias foram as da nobilitação e a da colonização do Estado nascente pelo caminho das Letras. Quando o património familiar e o acesso ao centro do poder o permitem, as curtas linhagens de que falávamos acima manobram por cartas de nobreza e o grande mercador torna-se cavaleiro; quando não, o caminho é mais longo: a descendência lustrada na universidade insere-se no serviço da coroa, e à medida que o Estado se agiganta também cresce o poder e hegemonia destes letrados que se reproduzem socialmente com as habituais endogamia matrimonial e restrição do círculo de amizades e conluios, como nos diz o autor, pela segunda metade do séc. XV, também estes já estão em processo de nobilitação, sementes do que será a vasta nobreza de toga no século seguinte (ibidem, p. 113).

Em conclusão, por mais que Baquero Moreno faça um uso muito esparso e cuidadoso do vocábulo “burguesia”, enquanto reafirma a total inaplicabilidade do conceito de “classe” antes da Idade Moderna, o que aqui nos descreve é bem um retrato da complexidade, para não dizer fuzziness, duma sociedade ainda de Ordens, mas Ordens a cada passo mais ideais e de difícil reconhecimento directo nas vidas dos sujeitos, em suma, uma sociedade a preparar-se para mudar.

Bibliografia

DOUGLAS, Mary – Purity and Danger – An analysis of concepts of pollution and taboo. London: Routledge & Kegan Paul, 1969 [1966].

MORENO, Humberto Baquero – As Oligarquias Urbanas e as primeiras Burguesias em Portugal. in Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto vol. 11. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1994, pp. 111 – 136.


 

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