Gregos para a Madalena.

Isto é provavelmente a coisa mais reconhecidamente snob que eu faço, mais esquerda-caviar lisboeta que me havia valer ser gozado pelos orgulhosos iletrados que pululam em todas as famílias dos países onde não se lê... mas estou-me a cagar, já o fazia na minha cabeça antes da criança ter cabeça para as receber (https://www.publico.pt/2016/03/07/p3/cronica/do-mentir-as-criancinhas-1825511) e agora que a tem, já o faço a sério.
À noite quando a tua irmã não está quem lê a história sou eu, comigo são sempre clássicos dos Grimm e do Perrault nas versões medonhas do volume que tive de mandar reencardenar à força de nos terem sido lidos, a mim e à minha irmã, que às vezes a assustam e a fazem chorar, mas isto discuti eu com a madrinha pedagoga antes dela ser sequer projecto e concluímos pela função social do conto infantil assustador, por mais chocante que seja para a nossa supostamente pacificada sociedade... o perigo espreita e as crias têm de ser preparadas para o perigo. Desenhar-lhes um mundo cor-de-rosinha delico-doce é como dar-lhes gomas de pequeno-almoço: é fácil e simpático, mas ligeiramente criminoso.
Mas depois temos a manhã.. e ela logo que abre os olhos e assenta a peidola no banco da cozinha para comer o dela exige história novamente... a tua irmã que é uma rapariga organizada deve ter tempo (imagino eu, que por essa hora ou já saí ou ainda estou a dormir normalmente) há de ter tempo para pegar num “Uma Aventura..” e ler-lhe, mas eu muito do multitasking pela manhã tenho as mãos ocupadas e histórias de cór só as dos gregos antigos:
A dupla Dédalo e Ícaro é um clássico só nosso com que já levou catorze vezes, o rei Minos o Minotauro Teseu e Ariadne são muito personagens cá de casa, apesar de ainda lhe continuar a esconder o destino do pai Egeu (introduzir já a ideia de suicídio parece-me demasiado brutal); hoje foi a Deméter, a Perséfone e o Hades e a explicação grega para as estações do ano.
Eu sei que isto não é “estatisticamente normal”, mas nem orgulho imerecido nem vergonha desnecessária, cá em casa é assim, os incomodados podem sempre ir (mas muito mesmo) para o caralho.

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