Abertura da época na Nazaré. António Telles, Filipe Gonçalves & Luís Rouxinol Jr.; forcados amadores de Vila Franca de Xira e do Aposento da Moita; seis (terroríficos) toiros de Pinto Barreiros.

E chego a casa sossegado e dou com tourada na televisão.. fico logo ali entre as fitas da tua sobrinha e a (mui sonora) desaprovação da tua irmã.
Eu raras vezes paguei para ver tourada e sou perfeitamente consciente de tudo quando de errado há nela (ambientalmente, política e socialmente.. é um coio de horrores), nunca sequer nunca me agarrei aos próceres civilizados e esquerdo-bem (o Picasso e o Hemingway, o Pomar e o García Lorca, o Camões a Amália e o Vargas Llosa) como fazem alguns civilizados bem-pensantes que mesmo assim (tal como eu) não lhe conseguem fugir.
As touradas são um horror e um anacronismo. Mas são um horror e um anacronismo sagrados, um retrato dum tempo em que os humanos temiam e respeitavam o selvagem, de tal modo que sentiam a necessidade de encenar momentos em que um homem vencia sozinho o bicho mais perigoso que a Criação nos tinha dado a conhecer por aqui. Este rito é uma decorrência dum mundo rural que já pouco existe, um mundo rural cuja primeira e última razão de ser é lutar contra o espaço da natureza selvagem, descontrolada da linha que separa a aldeia da floresta.
A tourada é um anacronismo horroroso duma época muito mais dura que a nossa, um anacronismo hipnótico, fascinante, mas horroroso na mesma (por menos horroroso que seja quando comparado com os nossos aviários e matadouros industriais, esses horrores nada anacrónicos e mediaticamente muito menos sexy).
A tourada é um anacronismo condenado ao desaparecimento, quase que não justifica a sanha que lhe tem o PAN; a sociedade que a criou já desapareceu há muito, os ritos que uma sociedade produz perduram sempre mais do que a sociedade em si.. mas nunca indefinidamente.
E enquanto o rito perdurar eu, muito francamente, vou continuar a olhar.

Comentários