A “Epopeia de Gilgamesh”; a “Lenda de Sargão”; o “Cilindro de Ciro o Grande” e o “Enûma Eliš”.
Enquanto pinto descubro uns benfeitores que lêem para o
youtube traduções de textos antigos algures escavados pelos amigos da pá e do
pincel (os arqueólogos)... isto é uma preciosidade,
um serviço público! De rajada papo a “Epopeia de Gilgamesh” o herói fundacional
dos mesopotâmicos (há 4.100 anos mais coisa menos coisa), provavelmente o livro
mais antigo que temos (onde a Bíblia dos hebreus vai plagiar um monte de
coisas, a começar pelo dilúvio do Noé) e onde é espantoso ver uma moral sexual
mediterrânica anterior aos gregos terem fechado o mulherio em casa:
e Ishtar (a grande deusa dos mesopotâmicos, dos acádios e
dos sumérios, dos assírios e dos babilónios, que haveria de se perpetuar na
Astarte dos fenícios e na Tanite dos cartagineses; deusa do amor e do sexo e da
fertilidade.. mas também da guerra e da justiça e do poder político. Que nos
seus atributos negativos, haveria de reverberar na Afrodite dos gregos e num
monte de demónios femininos dos hebreus).. mas dizia eu: e Ishtar, a rainha do
céu, foi ter com Gilgamesh e disse-lhe “tiremos prazer da tua virilidade” e ele
recusou-se, e ela enfureceu-se, e foi ter com Anu (pai dos deuses e seu pai) e
exigiu-lhe o toiro dos céus para castigar Gilgamesh, e Anu recusou-se-lho mas
Ishtar ameaçou virar o cima para baixo e o baixo para cima, misturar o doce e o
azedo e fazer os mortos comer a comida dos vivos.. e Anu anuiu e Ishtar soltou
o toiro dos céus sobre Uruk, a cidade de Gilgamesh, que com uma baforada duma
narina derrubou as muralhas da cidade e a baforada da outra narina lhe desviou
os rios...
Isto é demasiado bom!
Os outros também são bons mas o Gilgamesh é
especialmente impressionante... também percebi (porque mos tão a ler) que a
repetição ritual que nos parece esquisita e irritante quando a lemos (a
narrativa do tipo “e o manel encontrou o jaquim e o jaquim disse-lhe que para
chegar a casa tinha de virar à esquerda no fim da rua e subir e só depois de
ver a casa amarela seguir em frente e só começar a descer depois de ver o
chafariz no fundo do largo e o manel perguntou mas será que a única maneira de
chegar a casa é virar à esquerda no fim
da rua e subir e só depois de ver a casa amarela seguir em frente e só começar
a descer depois de ver o chafariz no fundo do largo, e o jaquim respondeu-lhe
que sim; e o manel convencido lá virou à esquerda no fim da rua e subiu e só
depois de ver a casa amarela seguiu em frente e só começou a descer depois de
ver o chafariz no fundo do largo, e assim soube que o verdadeiro caminho para
casa passava por virar à esquerda no fim da rua e subir e só depois de ver a
casa amarela seguir em frente e só começar a descer depois de ver o chafariz no
fundo do largo”).. esta repetição de parágrafos inteiros qua acontece muito
nestes textos muito antigos aqui da zona (as propiciações em redor à realeza
dos egípcios clássicos são tal e qual e acontece também muito no Antigo
Testamento na Bíblia)... se são chatos e ligeiramente absurdos quando os lemos...
são estranhamente hipnóticos quando os ouvimos serem lidos.. e aí é que me caiu
a ficha de que estes textos por mais que tenham sido escritos (os primeiros a
serem escritos na verdade) vinham, e continuaram pelo analfabetismo da maioria,
a ser oralidade.. isto era para ser ouvido e não lido, e a repetição irritante
do que se lê, começa a cheirar a magia quando se ouve.
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