“L’Établi” Robert Linhart, 1978.
Estava com um bocado de medo deste não só porque é um livro
fetiche da tua irmã... mas porque isto podia correr mal de 4 maneiras
diferentes pelo menos.
Isto é o relato da escolha consciente de um bom moço de
extração burguesa que pós-68 vai trabalhar para uma fábrica (no caso uma
fábrica da Citroën na Porte de Choisy nos arredores de Paris).
Isto é daquelas ideias que no papel parecem excelentes mas
têm sempre vinte e duas maneiras de correr estupidamente mal: para o bom
maoísta (peço desculpa: marxista-leninista) dos anos 60/70 nascer-se burguês é
um pecado original mais ou menos irremível e daí ter surgido esta teoria “do
estabelecimento”, ou seja, uma espécie de baptismo purificador na classe
operária, que é como quem diz os moços burgueses muito esquerdistas que vêm da
faculdade, em vez de continuarem o seu “destino natural” de classe de se
tornarem dirigentes, operavam uma espécie de curto-circuito social e
ingressavam na massa do trabalho por baixo, ou seja, como operários não
especializados.
A expectativa teórica era que a) os moços burgueses
percebessem finalmente o que significa fazer parte dos de baixo e; b) os de
baixo fossem “acesos” pelo voluntarismo e domínio teórico trazidos pelo
contacto com estes astronautas burgueses injectados na classe operária...
Isto é daquelas concepções que são tão jeitosas teoricamente
que na prática nunca resultam, mas estranhamente, neste caso... não é o caso.
Isto podia correr mal por a coisa se transformar num monstro
de teoria marxista-leninista, que são legião na altura (ver o Althusser),
com o sujeito a não aprender nada (e logo a nada ter para ensinar); isto podia
ter acabado, por ele não aprender nada (e logo nada ter para ensinar) numa
belíssima idealização romântica do “povo trabalhador” (que legião são na
altura); isto podia ter escoado em desilusão e no mergulho fascizante (à minha
madrinha)... mas o estranho é que não correu mal.
Primeiro: ele escreve magnificamente (a coisa lê-se num
sopro!), depois ele percebe a complexidade da relação entre a teoria limpinha e
simples e a prática suja “messy” complicadinha; ele não desespera sem ocultar o
quão perto de desesperar andou; ele participa (ao invés de ensinar ou dirigir)
e percebe, compreende (e explica-nos) mais do que os explica... e finalmente
percebe, percebe o valor da acção pequena de pequeno incremento... no limite,
ajudou a fazer alguma coisa, saiu de lá mais esperto e tem capacidade de nos
explicar o valor disso.
É difícil pedir mais a um gajo só.
ahh banda-sonora disto:
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=vJAl8uiiekE
por mais que uma razão.