José Alberto Sardinha e a música de cá, e o António Ferro, e outras coisas.

Há aqui um monte de coisas mas eu vou reduzir para não chatear muito... então é assim,
quando falamos de etnomusicologia e etnomusicografia em Portugal, que é como quem diz a recolha sistematizada da música popular dum sítio e o pensamento daí decorrente, falamos antes de mais do Michel Giacometti (o pai da coisa por cá)... hoje em dia se perguntares à tua mana por etnomusicologia ela vai-te responder (algo naturalmente) com Vieira Nerys e Pedros Félix (muito naturalmente) mas aqui  o Sardinha anda desde os anos 70 (literalmente) a bater milhas por essas aldeias a gravar velhas a desafinar (eu nem falo no Tiago Pereira porque, bem ou mal, estamos a falar de gente séria).
Ora o José Alberto é um óbvio catolicão de fato e gravata do Inatel, que dá aulas na Lusófona e adora citar o Portas e o Esteves Cardoso do tempo do “Independente”, por isso é natural que caia de chofre na academia bem-pensante lisboeta de hoje em dia... mas isso não é problema meu.
Andava há uns largos anos para lhe pegar e destilar a colecção “Portugal Raízes Musicais” (seis volumes de música, bem gravada, mas nada afinada) para a discografia e (assumidamente) a escolha é estética, eu não sou etnomusicólogo (só melómano) e estou-me cagando d’alto para as discussões sérias da coisa (embora pende entre a origem rural do fado do Sardinha e a afro-brasileira do Nery, discordando só... de ambos, por não as achar incompatíveis) e enchi o bandulhinho!!
E aqui é que começa a conversa (até aqui foi introito).
Ouvir com muito cuidado o que a malta de cá andou, andava e anda a fazer é quase surpreendente (não te meto um youtube de anexo porque não há, porque este país é espantoso a valorizar-se no que interessa) mas o trabalho do Sardinha é espantoso, a nossa música é maravilhosa e rara e brutal e variada e marada e meio-mágica a maior parte do tempo (e quando te apanhar cá em casa logo levas com ela por isso teme, teme intensamente!) e aqui é que entra o António Ferro.
O António Ferro é o Goebbels do Botas (esta é a versão mais sucinta que eu consigo), por mais que a neta (a Rita Ferro) queira fazer dele um tipo que por acaso estava cá nessa altura e no fundo amava era muito a nação... ora por muito que na pilha de pulhices que o fascismo nos fez isto seja pormenor nós, os antropólogos somos (e muito bem) ensinados de pequeninos a odiar e desprezar o Ferro pelas inventonas todas que o SNI arranjou (o Secretariado Nacional de “Informação” de que ele era o líder e cérebro) e pelo folclore inventado que ele nos legou nos (muito organizados e espartilhados) grupos folclóricos que herdámos... mas é preciso ouvir um trabalho como o do tio José Alberto para percebermos do que é que fomos amputados... há coisas em Ponte de Lima dos anos 80 que parecem o que a Björk vai cantar daqui a cinco anos,
mas isso nunca é dançado pelo rancho.

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