“Winners Take All – The Elite Charade of Changing the World” Anand Giridharadas, 2018.

Este é um livro brilhante, escrito de dentro, sobre a actual filantropia dos plutocratas.
A análise é só pontaria, apanha completamente estes ricaços novos (das tecnologias do valley ou dos hedge funds da costa leste) extremamente bem intencionados e cheios de vontade de salvar o mundo subitamente transformados em pensadores... o poder a mascarar-se de rebeldia.
Todo o erigir duma (mui lucrativa) indústria das ideias, com o activismo moderno a contaminar-se pela linguagem, lógica e métodos da gestão, da consultoria, que na maior parte das vezes é a causa dos problemas que agora tentamos resolver, grande parte das vezes com os mesmos actores, embora sejamos todos demasiado polidos para apontar o paradoxo.
Desta indústria que transformou o que o tio Anand chama de “public intelectuals” em “thought leaders”, ou seja dos antigos intelectuais caracterizados pela crítica ao sistema e o pensamento tangencial nesta raça de palestrantes de Ted Talks (Gramsci explica) que trabalham sempre respeitando as três regras de ouro:
a)    o problema concentra-se sempre na vítima e nunca no perpetrador (podemos discutir ad nauseam o facto dos pobres serem pobres, mas nesta conversa nunca entram os ricos);
b)   o problema individualiza-se sempre, nunca se socializa (nada é social, nada é político, tudo é pessoal e a agência, tal como a solução, é sempre individual, nunca colectiva);
c)    finalmente, muito optimismo e soluções fáceis: misoginia na Índia, cria-se uma linha de crédito para negócios de mulheres; plástico no mar, uma ap que vende pulseirinhas de plástico recuperado a ocidentais ambientalmente conscientes; fominha na periferia da cidade rica, Banco Alimentar.
A solução é sempre pós-política e nunca estatal, sempre privadamente discutida, financiada e gerida... e assim temos de respeitar as sensibilidade dos ricaços que vão financiar; daí falarmos muito em pobreza (que se reduz a um problema individual do pobre) e nunca em desigualdade (que é um problema colectivo que envolve não só o pobre a ser salvo, mas também o rico que pode vir a ser um potencial doador), resumindo inspire the rich to do more good, but never tell them to do less harm... não estamos cá para perguntar as causas da doença, só para tratar dos sintomas... é a filosofia do win-win, toda a gente ganha, especialmente o ricaço doador que não vê o seu privilégio minimamente interrogado enquanto se auréola com o halo e asinhas de filantropo.
Este livro é um grande livro sobre os contos de fadas que os adultos (poderosos) contam a si próprios, e as consequências que estes contos de fadas têm na realidade; sobre o apparatus of justification e o narcisismo dos bons senhores de escravos.
Essencial para perceber tudo quanto podemos esperar destes salvadores do mundo que são, ao mesmo tempo, os seus donos (parece que estou a ouvir a Rosa do Luxemburgo a rir-se lá ao fundo).

Comentários