“O Porto deste mouro” P3, 12 de Outubro de 2016.
Nascido quase na Baixa, criado na Estrada da Luz, mudado para a Estrada de Benfica, sempre engoli em seco quando (no sotaque de Cascais que todo o morcão acha que é o de Lisboa) me perguntavam no Porto “E você lá em Lisboa é de onde?!”... “Sete Rios.” atirava-lhes eu à ignorância da geografia cá de baixo... já me bastava pedir bicas e imperiais em vez de cimbalinos e finos... e não saber o que era uma postura de táxis... o que me custou não saber o que era uma postura de táxis!
Conto pelos dedos, foi antes de França, antes da criança.. há pelo menos 5 ou 6 anos que não poiso as patas no basalto da Invicta... há meio ano passei na Circunvalação (a vir de Braga, caminho de Telheiras) mas nem te senti o cheiro, o sabor, a sensação fria (levemente húmida) da pedra negra de todas as ruas... apanhámos trânsito (não há Moreira que vos valha!) e mesmo assim só vi o Dragão e o Douro às escuras.
Nunca tive a doença da bola por isso nunca invejei a sacada de campeonatos que o Pintinho sacou quando eu era puto, nunca tive problemas com o Porto, à parte do meu pai lhe chamar “o penico do Senhor” por causa da chuva constante, em Lisboa “nobody cares”, só estranhamos o vosso mito de que ninguém é daqui... vá, o meu pai é beirão de junto ao Tejo, mas a minha avó materna cresceu à sombra do Aqueduto do João V.
Mas depois houve uns cinco anos seguidos em que passei mais tempo aí do que aqui: trabalhar na Júlio Dinis (com vista para os jardins do Palácio), a dormir no Grande Hotel antes da renovação (pagava o patrão) em plena Sta. Catarina, jantares na Abadia e bebedeiras no “Meu Mercedes” na Ribeira (com direito a passeio a pé, para cima e para baixo e a más horas, pela Sé); quando me chateava da insónia flanar até à Gonçalo Cristóvão, ver os travestis.
Apaixonei-me ligeiramente... escrevi “Porto” na curta lista mental de sítios onde sei que vivia contente e sossegado (Lisboa, Évora, Paris, Barcelona, Porto, Veneza, Sta. Susana ao pé de Alcácer). Habituei-me às doses homéricas aí de cima, lambi-me com as francesinhas (feito que nunca comi abaixo do Mondego), passei a arranjar e a perfumar-me para sair à noite (eu, um filho do Bairro Alto!), aprendi o que era uma cruzeta, a pedir um natinha (em vez dum copo de água) com o café, a ler o “Jornal de Notícias” (aparte: haverá a possibilidade dum título mais abstruso que “Jornal de Notícias”??! Não filho.. havia de ser Jornal de Coisas Que Já Aconteceram Há Muito Tempo..), a recalcar quando os concidadãos se me encostavam ao balcão da cervejaria ou à espera que a passadeira abrisse (agora a sério, essa é de aldeia, a noção de espaço vital é um princípio da vida urbana!).
Mas o que lhe vejo de defeitos são o verdadeiro atractivo (como o olho vagamente malandro da primeira namorada a sério): o ar grave e sério, o jeito fechado, a cascata são-joanina e a neblina, a visão da Maria Pia quando se chega de combóio, a luz bela e sombria, a altivez ferida sem sabermos porquê. Sempre te cheguei de combóio sem ser um regresso a casa, a ouvir o tio Rui e o Tê porque aconteceu na primeira vez e foi tão certo que repeti sempre a partir daí.
E não quero saber: apodem-me de mouro e lampião que é tudo verdade, crucifiquem-me em polémicas de caixa de comentários à vontade que eu leio mas não respondo.. dão-se-me as saudades desse vale às vezes, às vezes vejo o Cleto no Porto Canal só para ouvir “dezôito” em vez de “dezóito”... mas agora tenho uma moura aí na Cedofeita para estudar Teatro por isso preparai-vos (outra que só aí em cima: o “vós”! Abaixo do Mondego ninguém sabe conjugar a 2ª pessoa do plural..) que a visita é fatal.
A ver se é desta vez que percebo, entre a Ribeira e a Foz, porque é que móis esse sentimento, porque é que manténs esse ar grave e sério, magoado.
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