HISTÓRIA DAS CIVILIZAÇÕES CLÁSSICAS 2 - A Sociedade Romana

Objetivos

Caracterizar a sociedade romana durante a República e o Império.

Considerando o estudo que realizou sobre a sociedade romana durante a República e o Império, comente o seguinte texto:

«Em parte, o materialismo romano traduzia as realidades sociais em que o império assentava, pois, tal como todo o mundo antigo, a sociedade romana também se desenvolveu com base na divisão entre ricos e pobres e, na própria capital, esta divisão equivalia a um abismo conscientemente expresso. Na realidade, eram flagrantes os contrastes entre as mansões sumptuosas dos novos-ricos, que atraíam a si os lucros do império e recorriam aos serviços de um sem-número de escravos nas suas casas citadinas e de várias centenas nas propriedades rurais, e os aglomerados habitacionais do proletariado urbano. Contudo, os Romanos não tinham dificuldades em aceitar tais diferenças como parte integrante da ordem natural das coisas - aliás, poucas civilizações antes da nossa se preocuparam com essa questão, ainda que raramente ela se tenha colocado de forma tão flagrante como na capital do império.»

Roberts, John M, História Ilustrada do Mundo, Roma e o Ocidente Clássico, Vol. III, Barcelona, Círculo de Leitores, 1999, pp.55-57.

TRABALHO / RESOLUÇÃO: A Sociedade Romana.

Na Roma antiga, uma sociedade essencialmente dividida entre uma aristocracia dominante e uma plebe economicamente subordinada[i], não existia nada que se parecesse com a nossa expectativa de mobilidade social. Mais do que desigual, Roma era um corpo social fundamentalmente desigualitário[ii], aliás como a maioria das culturas da Antiguidade clássica.

Formalmente Roma abrigava uma divisão social em ordens bem mais complexa do que a simples separação entre patrícios e plebeus[iii], essa própria de origem misteriosa[iv], que resultava num feixe de formalismos cheio de peças móveis e hierarquias concomitantes que incluíam patrícios e cavaleiros, plebe rústica e urbana[v], escravos e libertos[vi], “homens novos” e aristocracias regionais do império[vii]; constantemente separados e ligados por tensões e relações ideológicas, clientelares e de classe. Mas o fosso essencial, como aponta o autor do excerto, o fosso visível e imediatamente sentido tinha de ser entre os muito ricos e os diferentes matizes que iam dos meros pobres às verdadeiramente miseráveis “classes perigosas”, socialmente abaixo da infima plebs[viii].

Este cenário, surge-nos como resultado antes de mais da grande tensão social que atravessa toda a República: a questão fundiária surgida pela progressiva agregação de posse de terra pela aristocracia terratenente, o abuso convertido em direito de que fala Leo Bloch[ix]. Uma concentração fundiária no topo da pirâmide social, acentuada pela expansão territorial em enormes latifúndios – aqueles contra os quais Plínio exortava latifundia perdidere Italiam[x] – onde as condições de vida do cidadão rústico arrendatário não cessaram de piorar[xi].

O exacerbar ao paroxismo deste processo, vem com o enorme influxo de escravos, provenientes das guerras de conquista da República tardia. Os escravos substituem os arrendatários livres nos latifúndios[xii] e estes, sem recursos, acodem à Urbe; num êxodo rural[xiii] que vai inchar Roma pelo menos ao meio milhão de habitantes[xiv]. Isto sempre, com a classe dominante a resistir ferozmente a cada avanço tribunício, que pudesse levar a uma reforma que alterasse fundamentalmente o regime de posse fundiária. Classe terratenente que repetidamente se utilizou das sucessivas guerras[xv], e até de epidemias[xvi], para, parafraseando Lívio, não deixar o povo mais tranquilo em casa do que no campo de batalha[xvii].

Mas a questão fundamental mantinha-se: por mais desempregados e desapossados que fossem estes antigos rústicos recém-chegados à Urbe, continuavam a ser, paradoxal mas formalmente, a base da soberania política da República[xviii]; o Senado de oligarcas latifundiários podia resistir à saciedade, mas tinha finalmente de lidar com um Fórum a exigir resposta.

Deste crónico braço-de-ferro, vão resultar sucessivas negociações que tentam resolver esta contradição fundamental. As leis Licínio-Sestianas, por mais que representem um avanço político para a posição dos plebeus, têm um alcance económico limitado ao não tocarem na estrutura fundiária[xix]; mesmo as sucessivas leis Frumentárias (a partir de Caio Graco[xx]) com a distribuição de cereal subsidiado pelo estado, não representam uma reforma decisiva, porque continuam a excluir a infima plebs[xxi], uma parte nada negligenciável da cidade. E assim não é injusto ver nesta impotência republicana a causa fundamental da queda do regime[xxii].

Porque vai ser esta Roma da cidade baixa dos pobres, dos ex-rústicos transplantados, dos veteranos sem terra, que apoiará as ambições de Júlio César. Engajada pelas reformas inspiradas pelos Gracos[xxiii] e pela sua inesgotável liberalidade[xxiv], esta multidão desapossada e justamente ressentida com os oligarcas do Palatino, servirá como base democrática de apoio ao futuro Pai da Pátria[xxv]. Mesmo no anticlímax da República Romana, quando Marco Júnio Bruto e os outros conspiradores sobem ao Capitólio, togas manchadas e punhais em riste, convidando os cidadãos a regressarem à liberdade, o convite é recebido pela maioria entre o horror e um silêncio pouco cúmplice[xxvi], mostrando um mudo apoio ao caído ditador perpétuo.

Mas a verdade é que nem o primeiro cesarismo, nem a definitiva mudança de regime para o Principado significaram uma mudança radical nas condições de vida dos pobres de Roma. Nem mesmo os esforços do futuro Augusto, a funcionar a três níveis como de costume; tentando elevar os equites a uma espécie de classe média[xxvii], enquanto limitava o Senado sem desproteger os aristocratas descapitalizados e literalmente alimentava a plebe romana gratuitamente[xxviii]; estreitaram o crescente fosso social.

E é no Império que este fosso social, entre os poucos muitíssimo ricos os muitos muito pobres, se alargou ao ponto da sombra de classe média do tempo da República se desvanecer completamente[xxix], numa cidade onde os mais radicais extremos de fortuna continuarão a conviver, mais ou menos pacificadamente, até à queda da Urbe.

 

Bibliografia

Livros

BLOCH, Leo – Lutas Sociais na Roma Antiga. s.l.: Publicações Europa-América, 1974 [1900].

CENTENO, Rui Manuel Sobral (coord.) – Civilizações Clássicas II Roma. Lisboa: Universidade Aberta, 1997.

GRIMAL, Pierre – O Império Romano. Lisboa: Edições 70, 1999 [1993].

LÍVIO, Tito – História de Roma – livros I II III IV V. São Paulo: Paumape, 1989.

PLUTARCO – Lives. (trad. Dryden) IV vol. Philadelphia: John D. Morris & Ca, 1860.

SUETÓNIO – Os Doze Césares. Lisboa: Assírio & Alvim, 2007.

Capítulos de livros

VEYNE, Paul – O Império Romano. In Ariès, Philippe; Duby, Georges (dir.) – História da Vida Privada I. Porto: Edições Afrontamento, 1989 [1985]. pp. 19 – 223.

Artigos

STOREY, Glenn R. – The Population of Ancient Rome. Antiquity. Cambridge: Cambridge University Press, v. 71 i. 274, Dezembro de 1997, pp. 966 – 978.



[i] CENTENO, R.M.S. – Civilizações Clássicas II Roma, p. 84.

[ii] VEYNE, P. – O Império Romano, p. 165.

[iii] CENTENO, R.M.S. cit. i, pp. 89 – 91.

[iv] CENTENO, R.M.S. cit. i, pp. 81 – 82.

[v] CENTENO, R.M.S. cit. i, p. 98.

[vi] CENTENO, R.M.S. cit. i, p. 93.

[vii] CENTENO, R.M.S. cit. i, p. 87.

[viii] CENTENO, R.M.S. cit. i, p. 91.

[ix] BLOCH, L. – Lutas Sociais na Roma Antiga, p. 47.

[x] BLOCH, L. cit. ix, p. 131.

[xi] BLOCH, L. cit. ix, p. 52.

[xii] BLOCH, L. cit. ix, p. 129.

[xiii] BLOCH, L. cit. ix, p. 132.

[xiv] STOREY, G.R. – The Population of Ancient Rome, p. 966.

[xv] LÍVIO, T. – História de Roma livros I II III IV V, pp. 241 / 301 / 369.

[xvi] LÍVIO, T. cit. xv, p. 366.

[xvii] LÍVIO, T. cit. xv, p. 74.

[xviii] BLOCH, L. cit. ix, p. 133.

[xix] BLOCH, L. cit. ix, p. 95.

[xx] PLUTARCO – Lives, p. 344.

[xxi] CENTENO, R.M.S. cit. i, p. 97.

[xxii] BLOCH, L. cit. ix, p. 123.

[xxiii] GRIMAL, P. – O Império Romano, p. 31.

[xxiv] SUETÓNIO – Os Doze Césares, pp. 29 / 36 – 37.

[xxv] SUETÓNIO cit. xxiv, p. 60.

[xxvi] PLUTARCO cit. xx, pp. 152 – 153.

[xxvii] GRIMAL, P. cit. xxiii, p. 56.

[xxviii] SUETÓNIO cit. xxiv, p. 105.

[xxix] CENTENO, R.M.S. cit. i, p. 96.


 

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