História de Portugal Contemporâneo 2 - O Estado Novo e a resistência à democracia: o MUD e a afirmação de uma oposição eleitoral.

Objetivos

Compreender e explicitar as origens e o papel do Movimento de Unidade Democrática (MUD) na mobilização da oposição contra o Estado Novo no período subsequente ao final da 2.a Guerra Mundial.

Compreender e explicitar as diferenças de posicionamento dos diversos setores da oposição à ditadura salazarista nas eleições presidenciais de 1949 e de 1951.

Compreender e explicitar o papel do General Humberto Delgado nas eleições presidenciais de 1958. 

 

TRABALHO / RESOLUÇÃO: O MUD e a afirmação de uma oposição eleitoral ao salazarismo (1945 - 1958).

 

Tentar-se-á neste ensaio esboçar o panorama da dinâmica oposicionista ao Estado Novo no período pós II Guerra Mundial, dedicando especial atenção ao Movimento de Unidade Democrática e à variedade interna duma Oposição que, longe de monolítica, exprimiu sempre uma tensão entre a possibilidade legalista vs. insurreccional, entre outras. 

É bastante antes do fim da guerra que Salazar, astuto, descola o regime português duma neutralidade simpática ao Eixo, para começar a falar em “democracia orgânica”[i] e a aproximar-se cada vez mais activamente dos Aliados: o acesso a instalações militares nos Açores ao Reino Unido (em Agosto de 1943) e aos Estados Unidos (Novembro de 1944), o embargo da venda de volfrâmio à Alemanha (Junho de 1944)[ii]. O que não impede que nas espontâneas manifestações populares que assinalam o fim da guerra, por mais entrecortadas por outras, orquestradas, de agradecimento ao líder pela paz[iii], esteja implícita a comemoração do fim de todos os fascismos[iv]. Com Carmona e o Exército incognitamente silenciosos[v], Salazar promete eleições tão livres como na livre Inglaterra enquanto Caetano o avisa que na rua se crê o regime “na última, é o fim”[vi].

O Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista, formado clandestinamente em 1943 por um Partido Comunista Português reorganizado[vii] e uma vasta coligação de antigos republicanos, socialistas, anarquistas, o grupo da “Seara Nova” e a Maçonaria, age no espaço que a esperança de mudança pós-guerra e o desanuviamento repressivo pré-legislativas de 1945[viii] permite temporariamente, forma o Movimento de Unidade Democrática como face legal duma Oposição unida[ix]. Com a revisão constitucional Salazar cria as alterações formais mínimas que dão uma fachada levemente democrática ao regime[x] e garantem a benevolência, senão a cumplicidade, dos Aliados[xi]. Mas o regime surpreende-se com a onda de choque que o MUD escala nacionalmente no fim de 1945, mostrando a impreparação até para o simulacro de uma disputa eleitoral[xii]; Salazar interrompe as férias e exige as listas de assinaturas de apoio ao MUD “para verificação estatística”, a Oposição cai na cilada de lhas entregar[xiii].

Eleições acabadas e resultado previsto, Tengarrinha vê a experiência do MUD esgotada logo em 1946, Rosas aponta 1947, momento de reconsolidação da situação, e contra-ataque feito de prisões e saneamentos em cima das listas de assinaturas do MUD, sobrevivendo apenas, e com dificuldade, parte da rede do MUD Juvenil[xiv]. Um MUD Juvenil que ainda terá peso na candidatura de Norton de Matos às presidenciais de 1949, último impulso dum frentismo oposicionista do pós-guerra[xv]. O MUD vê-se ilegalizado ainda em 1948, Norton de Matos recusa-se a ir a umas urnas fraudulentas, Salazar insiste no anticomunismo e vai consolidando a posição externa do regime (membro-fundador da NATO em 1949, ONU em 1955, EFTA em 1959)[xvi], adaptando-se como pode a uma nova ordem internacional que fundamentalmente despreza[xvii].

A seguir a Oposição sofre quase uma década de refluxo: desmobilização, defensismo e divisão interna elenca Rosas[xviii], nunca tão desunida sublinha Tengarrinha[xix]. Os moderados evacuam do MUNAF e do MUD[xx], em parte atraídos pela possibilidade de abertura com que os reformistas da situação acenam[xxi]; o PCP insiste, suicidariamente[xxii], no unitarismo legalista[xxiii] enquanto a PIDE, até 1952, lhe dilacera a máquina clandestina. As divisões e desnorte da Oposição garantem a sobrevivência do poder de Salazar[xxiv]. A morte de Carmona obriga a novo simulacro eleitoral: face a um Craveiro Lopes do regime veremos o retrato duma Oposição desunida entre um Ruy Luís Gomes apoiado por um Movimento Nacional Democrático, nova tentativa frentista habitada exclusivamente pelo PCP[xxv] e Quintão Meireles, um almirante do 28 de Maio, candidato duma oposição moderada que vai dos velhos republicanos a novos socialistas e recentíssimos dissidentes do regime[xxvi]. O MND vê os comícios autorizados para depois serem interrompidos pela pancada da Legião[xxvii] e a candidatura desqualificada, Quintão Meireles desiste perante a falta de condições: resultado previsto.

O próprio regime está longe de ser um monólito, se Salazar começa gradualmente a apresentar sinais de alienação em relação à realidade económica, social e cultural do país, são várias facções internas que manobram debaixo da nominal fidelidade ao Chefe. Os monárquicos (Mário de Figueiredo, Lumbrales, Cancela de Abreu) tentam forçar um regresso à coroa aquando da morte de Carmona, uma ala conservadora (liderada por Santos Costa) resiste às mudanças na estrutura económica enquanto outra reformista (Marcello Caetano, os irmãos Botelho Moniz) preconiza não só a industrialização da economia, como uma abertura lenta e controlada à oposição moderada, em termos políticos[xxviii]; e Salazar de chave de abóbada a equilibrar todas estas tensões.

Os efeitos internos da Guerra Fria sentem-se numa Oposição cindida em dois campos quase sem pontos de contacto entre si[xxix]: dum lado uma oposição moderada, pró-ocidental e atlantista que procura a legalização[xxx], agrupada à volta de figuras como António Sérgio ou Jaime Cortesão, que oscila entre o putschismo, o golpe palaciano ou a transição ordeira negociada com os reformistas do regime. Uma oposição conservadora que vai captando dissidentes do regime (Mendes Cabeçadas, Henrique Galvão, Humberto Delgado), monárquicos democratas, católicos progressistas[xxxi]. Do outro um PCP que só depois de 1956 (empurrado pelo XX Congresso do PCUS[xxxii]) abandona a tese do “levantamento nacional” e admite a possibilidade de transição pacífica via “vasta frente eleitoral”. O Congresso Republicano de Aveiro será o primeiro momento de reunificação oposicionista, a desistência de Arlindo Vicente no “acordo de Almada”[xxxiii] e arregimentação atrás do furacão que é Delgado em campanha, a sua expressão final.

Seja como for, abalo após abalo o salazarismo sobrevive, nem a via eleitoral (inquinada pela fraude) nem o putschismo, muito menos o “levantamento nacional” ou a negociação com os “progressistas” do regime cria uma saída, como diz Botelho Moniz “não cai nem a tiros nem a votos”[xxxiv].

 

BIBLIOGRAFIA

PIMENTA, Fernando Tavares – Portugal e o Século XX – Estado-Império e Descolonização 1890 - 1975. Porto: Edições Afrontamento, 2010.

ROSAS, Fernando– Sétimo Volume O Estado Novo (1926 - 1974). Mattoso, José (dir.) – História de Portugal. s.l.: Círculo de Leitores, 1994.

TENGARRINHA, José – Os caminhos da unidade democrática contra o Estado Novo. in Revista de História das Ideias vol. 16. Coimbra: Instituto de História e Teoria das Ideias – Faculdade de Letras, 1994, pp. 387 – 431.


[i] PIMENTA, F.T. – Portugal e o Século XX, p. 81.

[ii] ROSAS, F. – O Estado Novo, p. 373.

[iii] ROSAS, F. cit. ii, p. 377.

[iv] TENGARRINHA, J. – Os caminhos da unidade democrática, p. 389.

[v] ROSAS, F. cit. ii, pp. 372 – 373.

[vi] Marcello Caetano cit. in ROSAS, F. cit. ii, p. 370.

[vii] PIMENTA, F.T. cit. i, p. 80.

[viii] ROSAS, F. cit. ii, p. 378.

[ix] TENGARRINHA, J. cit. iv, p. 390.

[x] PIMENTA, F.T. cit. i, p. 82.

[xi] PIMENTA, F.T. cit. i, p. 79.

[xii] ROSAS, F. cit. ii, p. 379.

[xiii] PIMENTA, F.T. cit. i, pp. 82 – 83.

[xiv] ROSAS, F. cit. ii, p. 398.

[xv] TENGARRINHA, J. cit. iv, p. 391.

[xvi] TENGARRINHA, J. cit. iv, pp. 392 – 393.

[xvii] ROSAS, F. cit. ii, p. 401.

[xviii] ROSAS, F. cit. ii, p. 518.

[xix] TENGARRINHA, J. cit. iv, pp. 395 – 396.

[xx] ROSAS, F. cit. ii, p. 398.

[xxi] ROSAS, F. cit. ii, pp. 402 – 403.

[xxii] ROSAS, F. cit. ii, p. 522.

[xxiii] TENGARRINHA, J. cit. iv, p. 394.

[xxiv] PIMENTA, F.T. cit. i, p. 85.

[xxv] TENGARRINHA, J. cit. iv, p. 395.

[xxvi] ROSAS, F. cit. ii, p. 519.

[xxvii] ROSAS, F. cit. ii, p. 522.

[xxviii] PIMENTA, F.T. cit. i, pp. 86 – 88.

[xxix] TENGARRINHA, J. cit. iv, p. 395.

[xxx] PIMENTA, F.T. cit. i, p. 85.

[xxxi] ROSAS, F. cit. ii, pp. 518 – 521.

[xxxii] TENGARRINHA, J. cit. iv, pp. 395 – 396.

[xxxiii] “acordo de Almada” em TENGARRINHA, J. cit. iv, p. 399; “pacto de Cacilhas” para ROSAS, F. cit. ii, p. 526.

[xxxiv] Júlio Botelho Moniz cit. in ROSAS, F. cit. ii, p. 394.



 

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