O tom de Shepard, a puta da realidade e a possibilidade da esperança.

Esta semana ouvi alguém, francamente já não sei quem, num podcast qualquer comparar a maneira como olhamos para a realidade e as escalas de Shepard.

Este Shepard era um cientista cognitivo americano, uma cabeça muito grande, que trabalhava processos mentais de generalização e representação e ilusões de percepção, tu de certeza já viste o famoso elefante de Shepard e outro exemplo clássico de ilusão dele é o tom. O tom de Shepard é uma sobreposição de notas, separadas por uma oitava, e disposta em onda senoidal, em que o volume de cada uma das notas evolui desigualmente (eu não sei que chegue de técnica musical para explicar isto melhor) e que cria, conforme a disposição do volume, uma ilusão auditiva de subida ou descida infinita, ou seja, sempre com as mesmas notas pode parecer que a escala sobe, ou desce, infinitamente. Isto é muito usado nos filmes, porque cria tensão automaticamente e pode ser mantido, acelerado ou invertido exactamente na medida necessária.

Já não sei quem, e isto preocupa-me menos que devia, apontou como a nossa percepção da realidade é tal e qual o tom de Shepard: tal como a escala a realidade tem as notas todas, sempre a qualquer momento a realidade é tudo, todos os horrores e todas as explosões de amor e razões para esperança e doomerismo ao mesmo tempo; é a nossa valorização dos aspectos em que nos concentramos (a distribuição do volume das notas) que faz a escala parecer subir ao exagero até um Pangloss sempre “pelo melhor no melhor dos mundos possíveis” ou descer aos extremos dum nihilismo desistente e autodestrutivo... seja como for a realidade continua a ter as notas todas, e nós continuamos a controlar, pelo menos, como a olhamos.  


 

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