“Judite” Fausto, 1979.

Judite! Recordas-me a outra

A outra que já foi embora

Desvairada no meio da noite

Febril

Às voltas pela cidade.

 

Persegues meus passos vadios

No ardente ciúme

Dos amantes traídos

Espreitas o fundo da escada

A entrada da porta

No escuro das ruas.

 

Procuras saber o segredo

De novos amigos

De outros confidentes

Vigias-me o sono tão leve

E sacodes-me os ombros

No melhor dos sonhos.

 

Apalpas em vão os meus bolsos

Tu cheiras-me o corpo

Apertas comigo

Revistas as minhas gavetas

Armas-te em protectora da santa família

Disfarças por todos os lados

Nos salões, nos bares

Andas às escondidas

Mas deixas por todos os cantos

O perfume mundano

Da mundana chatice.

 

Judite! Recordas-me a outra…

A outra que já foi embora

Desvairada no meio da noite

Febril

Às voltas pela cidade.

 

Sorris como os apaixonados

Na falsa clarividência

Do chato abstémio

Esperas, paciente, no tempo

Pairando no voo terrível da hárpia

Percorres na mecha a distância

Herdaste do clã

Os carros artilhados

E escutas na bisbilhotice

A conversa dos outros

Que não te conhecem.

 

Tu podes levar-me o que queiras

Prender o meu corpo na tua prisão

Mas longe de ti ficará

Gozando mais livre

O meu coração.

 

Judite! Recordas-me a outra…

A outra que já foi embora

Desvairada no meio da noite

Febril

Às voltas pela cidade.

 

 

Anos e anos e anos e anos (desde o liceu) e só agora é que me caiu a ficha, e tudo bem que sou de Lisboa e sempre que ouço “Judite” é a Polícia Judiciária e só depois é que me lembro que há senhoras e meninas e personagens bíblicas que também se chamam Judites... e por isso é natural que me tenha condicionado no processo contrário sempre que ouvi isto....

https://www.youtube.com/watch?v=i5QU9l55DJI

 e só depois destes anos todos foi preciso estar acordado muito cedo no 754 a subir da estação de Benfica para o alto da Buraca para ouvir isto pela milionésima vez e se me cair a ficha: por mais amorosa que seja a melodia, esta Judite é mesmo a bófia: que espreita desvairada às voltas pela cidade nos carros artilhados herdados do clã, em revistas em que sacode ombros em bisbilhotices que disfarça por todos os lados e mesmo assim, lhe recorda a outra, a outra que já foi embora (a outra, a da António Maria Cardoso, a PIDE)...

a esse nível, francamente: se o Zeca era à marreta e o Zé Mário à bazuca e o Sérgio entre o murro e o afago... e o Fausto sempre foi o delicado: mas faz-me uma acusação destas (a Judiciária herdeira da Pide) que até eu acho injusta (e falo agora é claro e não em 79 como ele), mas tão a soar a queixume de ex-amante que mais rapidamente ouvi a ex-namorada na noite à procura de merda que o aparelho repressivo a reciclar-se.


 

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