A Sala dos Professores.

Dizia o Diógenes “quanto mais conheço o Homem, mais gosto do meu cão”, eu quanto mais conheço os professores mais gosto dos professores.

Se a sala de aula é (demasiadas vezes) a trincheira, a sala dos profs. é o bunker enlameado onde parte das vítimas lambe as feridas e complota novas desgraças e por isso é que eu desde pequenino as respiro mal e as evito tanto quanto posso. Na Universidade da 3ª Idade não havia tal coisa (os formadores não se cruzavam) e na Academia a coisa é mais subtil entre corredores, gabinetes mais ou menos partilhados mas é sempre extraordinário à vida ordinária reunirem-se os docentes, portanto não há propriamente sociabilidade forçada de colegas mesmo que de todos os “graus” de ensino, a universidade seja o mais insular, incestuosa, nepotística, auto-complacente e venenosa; mas a função é a mesma: do catedrático à auxiliar do infantário,  da respeitada senhora “professora primária” ao mais desenxabido formador de formação de formadores, está tudo mais ou menos a tentar dar a lição e (como insiste o grande Luís Mocho) a ver se os gajos a aceitam.

Agora eu, que desde pequenino aprendi a evitar a sala dos profs. A evitá-la antes de mais porque é tipicamente lugar de lamúria ritualizada, em dois níveis: nível a) os putos estão cada vez piores, cada ano que passa são mais burros e insolentes e tudo caminha para a desgraça (isto é obviamente mentira, o sapiens sapiens é a mesma merda desde o Paleolítico e se aos velhos os novos parecem cada vez mais burros é só porque os velhos todos os anos aprendem enquanto a nova leva de putos chega tão burra como a do ano anterior era há um ano atrás e a diferença relativa vai aumentando na mesma medida que a paciência dos crescidos se esboroa como rocha sedimentar face à acção do vento e do mar, que é como quem diz: mal e pouco; o outro nível b) é o estado / empregador / status quo que nos trata como merda inútil, reflexo da (e isto é obviamente verdade) autoridade e capital social do sr. professor de antigamente se evaporarem e agora qualquer puto ranhoso das barracas nos manda à merda e os encarregados de educação ainda apresentam queixa do stor... benvindos sejamos à condição dos enfermeiros quando houve tempo que fomos doutores médicos (se eu quisesse ser mau apontava o facto da reforma do Veiga Simão ter aberto as licenciaturas todas ao povão menos as controladas pela Ordem dos Médicos, que gere muito bem a relação dos numerus clausus com o status social dos inscritos)... há muitas razões para o doutor médico ser o doutor médico e a enfermeira ser pouco mais que uma senhora da limpeza das arrastadeiras por mais que licenciada também e a questão de género não sendo despiciente não reduz a complexidade daquilo a que se assiste.

Eu quando tive sala dos profs. odiei-as silenciosamente sempre e desde o início, sou lhes agora mais tolerante do que em qualquer momento antes (e isso é metade sólida curiosidade antropológica e outra metade paciência e tolerância acrescidas pelo envelhecimento); a primeira era especialmente medonha, exclusivamente masculina e desavergonhadamente predatória, francamente adorava aqueles gajos mas 1 dia em 2 não era caso de “cancelamento” era coisa de despedimento por justa causa, irradiação social, francamente prisão caso houvesse enquadramento legal (que não havia e continua a não haver). Depois disso tive-as principalmente no modelo lamuriento e pesado que me gerou o dito “antes fumar que me faz menos mal” que volta e meia acontece. O crescente número de mulheres decresceu o crime e aumentou o tom da lamúria (ainda bem?!), já vi sala de profs. verdadeiramente divertidas (as Piscinas) mas no fim das coisas acabo a fumar menos porque a complexidade é verdadeiramente fascinante e a baseline é verdadeiramente extraordinariamente alta: quando digo baseline falo da necessidade telúrica, de talento (na etimologia da palavra) de alumiar o próximo, de transmitir, de empurrar o próximo Fábio para saber ler e escrever “Fábio” e já agora a Ínclita Geração, a diferença entre cumulus, cirrus e nimbostratus e como se somam fracções impróprias com denominadores iguais... essa merda de insuficiência que faz dos professores professores, como há os que pintam, cantam, actuam ou pregam pregos, havemos uns que temos aulas para dar, que temos aulas que temos de dar... e é disso que os dragões se aproveitam para fazerem dos doutores enfermeiras.         

E assim de salto em salto, eu qual zangão (que já se me foi o corpo de vespa) pouso aqui e pouso ali sem saber à partida se é flor ou cagalhão, sempre demasiado cuidadoso porque encanecido: esta última não é depressiva (e isso são logo 15 pontos), é (praticamente) exclusivamente feminina (as únicas gónadas que lá se sentam são as do teu cunhado), inenarravelmente berrante (à tia Magda a magna até lhe caiam as orelhas ao chão), mas é divertida em tendo capacidade para sobreviver ao volume sonoro (que francamente às vezes chega ao industrial); mas no fim entre piadas e acertos de conta e queixuminhices mal aguentadas e pré-percalços vasculares e/ou psicológicos de que é que a malta fala: a malta fala deles, ensaiam-se vastíssimos debates sobre quem deve ir para o apoio, o “apoio” no caso p/ Português, sou eu.

Estabelecido em duas semanas que não sou nhónhó nem inútil (melhor seria), a conversa escorrega para o que é que eu sirvo. “Apoio” é uma posição esquisita e (aqui entre nós) maravilhosa para um específico tipo de personalidade; isto é Básico, por isto estas gajas (e são esmagadoramente gajas, o que nunca é despiciente) entram às 9 e saem às 4 e não podem legalmente, sair fisicamente do estabelecimento durante o tempo de serviço (o nosso coordenador é um porreiro e deixa-as sair para fumar, porque nos é ilegal fumar lá dentro, mas sair do barulho durante a meia-hora de intervalo dos putos da manhã ou durante o almoço nem pensar nisso).

E a questão impõe-se, para que é que serve o Apoio? Nenhuma delas é antropóloga, mas às vezes parecem, porque em 7 professoras, são capazes de produzir 8 ou 9 opiniões sobre para o que é que o “Apoio” (e consequentemente eu) serve... Eu não quero ser chato e muito menos manexplainer (as únicas gónadas na sala) mas repito e repito a pecha “vocês são trincheira, eu sou guerrilha” na tentativa de transmitir que a função delas é segurar a linha, a minha de responder a imprevistos e tentar avançar onde ninguém esperava que fosse possível conseguir alguma coisa. Às vezes usam-me para os casos mais graves, outras para os maus mas por elas julgados “recuperáveis”, às vezes só para tirar os piores índios da sala por uma hora para se poder trabalhar com os outros, às vezes para ajudar a controlar uma sala onde um turra se atira aos saltos e pinotes para debaixo de uma mesa e só eu (porque ainda estou fresco porque não estou lá desde Setembro passado, tenho corpo de mastodonte e a calma pouco impressionável dos velhos) tenho a resposta imediata de lhe agarrar um tornozelo, arrastá-lo meia sala muito devagarinho para fora de debaixo das mesas, perguntar à professora-tutora se se importa que eu converse com o G. lá fora (com o ar mais formal dos tempos), e depois o levar para uma chazada de 30 minutos, que lhe pareceu necessariamente muito mais longa porque extremamente calma, e o corrécio lá começa a aprender que há formalidades sociais (o tipo queria mijar durante um teste e não sabia como, sabendo como não, no fim mijou sossegadamente, como é natural).

Pudesse eu fazer carreira disto e estava arrumado: zero trabalho administrativo (ainda não escrevi um sumário este ano, quanto mais aturar paizinhos mais ou menos ausentes que os mandam sujos de cheirar, com nails e sem pequeno-almoço), sem programa: a colega diz “estamos nos nomes comuns, próprios e colectivos” e pimba maiúsculas e minúsculas e manadas e pomares sejam... francamente faço trincheira, mas sou mais corpinho para a guerrilha: a formalidades desnecessárias estou finalmente alérgico (trato toda a gente pelo nome e por tu, o que nesta ainda não se habituaram, mas em frente que não há cá “professora isto” e “dona aquilo”, caguei de alto e a andar, professoras e auxiliares não dizem nada e os putos que são mais puros testam-me chamando-me simplesmente “Tiago” a medo como se fosse insultuoso chamarem-me pelo meu nome... francamente há parvoíces para as quais estou demasiado velho, e a obsessão nacional por títulos só cai abaixo do falso catolicismo de pacotilha); tenho queda para os casos desesperados (por isso é que caio com muita facilidade no goto dos ciganos); tenho a académica aversão a programas fechados; a Magda e o Luís Mocho curaram-me da tolice de “dar matéria”: estou perfeitamente disposto a “perder” uma hora, uma semana, um semestre a mostrar (extremamentíssimamente) calmo a um gandulo que às vezes temos de estar quase uma hora sossegados e sentados... e pára e volta atrás e insiste: hoje passei 40 minutos num braço de ferro com um ranhoso que me não chega à cintura (que berrou, chorou literalmente baba e ranho, bateu os pés, revirou os olhos, mandou bocas que eu fingi não ouvir, deu com as patas na mobília, recusou-se a fazer) mas que lá no fim (com a ajuda das outras duas alminhas que lá tinha) se elevou da fita e tacitamente admitiu que precisava de ajuda para desenhar a merda do G maiúsculo cursivo (merda inútil que não se deseja a ninguém) mas que era só placeholder para o facto de 1) depressa não é bem porque isto não é uma corrida 2) não é à tua maneira, é à minha, porque somos todos gajos porreiros mas a minha função é uma, e a tua outra (Rui Ferreira conta e ensina)... e que finalmente, como diria a tia Magda, os meninos não fazem o que querem, querem o que fazem!

Dei a este específico mamífero a lição da galinha? Nem por isso, mas desenganou-se que ir para o apoio é passeio, começou a perceber que os juros da birra começam a ficar em casa se não exclusivamente no infantário, que me tratar por tu não quer dizer que estejamos na balda (frase repetida “circo é na tenda!”). Aprendeu sequer a fazer a porra do G maiúsculo cursivo? Nem perto disso mesmo que a meio metro donde começou uma hora antes, o que não interessa nada (para além do ganho na motricidade fina): tu não sabes fazer um G maiúsculo cursivo, o presidente da República também não, eu aprendi no mês passado, o gajo que há de curar o cancro nem há de saber o que cursivo quer dizer. Mas o ranhoso levou hoje uma patada na direcção certa para ser um adulto e cidadão, e a pata foi minha.

Mas voltando à sala dos profs. para ver se não faço disto um cabrão dum romance (ou pior, um manifesto): isto é tudo muito complicado (dizia o taxista), podes ter uma gaja com a conversa toda certa (e conversa toda certa ao nível teórico, tipo almoças com ela e quase sais de lá convencido que só precisamos de mais 20 mil professores como ela e a Nação dá um salto mental como nunca em 1000 anos de história) que tu sabes que as mais das vezes rói a corda e deixa os putos sem sala ou redistribuídos e mesmo quando vem a puta da sala é a aldeia dos macacos e há sempre os dela à solta nos corredores a fazer merda (e que a diretora está mortinha por me meter lá “em coadjuvação” mas que nem fodendo porque a) dois galos num galinheiro raramente funciona e b) é demasiado tarde no ano para funcionar e c) estava eu aqui tão sossegado e a senhora a arranjar-me cadilhos... e na porta ao lado tens a bisca toda errada: funcionalmente racista, berrante, toda muito errada com as manias nacionais do respeitinho e do você é muito melhor que o tu e a puta da cartilha maternal da titi fez me um tété e o caralho que que nos foda a todos, mas está lá para os cabranotes, dia sim dia sim, “ó amore” e faz como mal sabe mas faz e faz e volta a fazer e sobretudo não se enrola em tretinha retórica (por mais bem sonante que seja) para não fazer... grande poeta é o povo “isto é tudo muito complicado”.


 

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