O que nós cantámos pra aqui chegar 2 - Ocaso Épico e outras desgraças ou porque é que não se foge dos cães?
Das poucas lições que tenho para ensinar: Porque é que não se foge dos cães e dos bófias sem a certeza ABSOLUTA de que lhes conseguimos escapar. Porque os cães e os bófias são bichos que quando agarram o osso é uma porra para deslargarem.
Eu com a música, especialmente a cá do burgo, sou como os cães e a bófia. Eu tinha dito da minha surpresa em nunca ter ouvido falar nestes Ocaso Épico do Mário Fernando... na altura hipotizei entre a pérola e a injustificada paixoneta da crítica (dois casos muito comuns cá no jardim à beira mal plantado) mas errei... é muito pior do que isso.
Claro que apanhei a coisa. Ouvi o lado A do disco único que o Mário Fernando achou marcante nos últimos 50 anos de produção musical nacional (defenestrando o Carlos Paredes, a Maria João, os Ena Pá 2000 e o Marco Paulo)... ouvi o lado A porque a discos de 1988 aplicam-se as regras de 1988 e de toda a maneira são 20 minutos da minha vida que o Mário Fernando me fica a dever.
Isto não é uma pérola nem sequer uma paixoneta injustificada da crítica, isto é uma coisa que já não se usa, porque o acesso é muito rápido e universal, isto é um anacronismo que eu ainda vivi e que a ti, e ainda bem, te soará muito exótico; que é o uso de um argumento de autoridade pela aplicação do conhecimento esotérico... ou seja:
Intigamente, dava para fazer destas, queres mostrar uma pila maior que a dos outros meninos, e se toda a gente ouviu Satie e sabe o nome da banda onde começou a Björk e sabe dizer “Michel Giacometti” com o exacto equilíbrio entre francês e italiano para provar o capital social (o irmão Bourdieu conta e ensina), tiras do fundo do bolso uma coisa (coisinha) qualquer que é impossível haver outro alguém que alguma vez tenha ouvido falar (eu mais do que uma vez usei a banda de hip hop da Covilhã do meu amigo Ricardo) para fazer o blasé infinitivamente cool e necessariamente sensual. Reconheço o pecado porque conheço o pecado, valha-me Santo Agostinho!
Seja como for, resumindo e concluindo, isto é uma piada sem graça, está aqui para ouvires https://www.youtube.com/watch?v=FIe5ShbmkaY mas francamente desaconselho. Mal por mal, antes ser radhikal:
https://www.youtube.com/watch?v=hgJEhifFQLs
Continuando. E continuemos por baixo os Jáfumega, Jafu’mega, Jafumega, Jafu-mega, Jáfu’mega, bem me cheira que mudar a grafia da coisa a cada oportunidade era piada interna e (só um bocadinho) snob... seja como for ouvi-lhes a coisa para além do “Latin’América” que é uma música sólida mas mesmo assim pas ma tasse de thé, o disco não é mau mas a mais completa definição de “queridinho da crítica” e mesmo assim a anos luz da ambição e (como diria uma antiga presidente da Assembleia da República) conseguimento duns Banda do Casaco.
Resistência... francamente muito pior do que eu me lembrava. É só reciclagem unplugged, que como sempre rebaixa o bom e eleva o fraco... vou ficar com a versão do “Circo de Feras” mas só porque foi ao som disto que convenci a primeira miúda a beijar-me.
Os Silence 4... os primeiros (e últimos) que me fifizeram ultrapassar a aversão dérmica a bandazinha tunga a cantar em english... mas este disco é muito bom, uma pena que o ego do David Fonseca não tivesse resistido ao primeiro reforço positivo que aparentemente teve (na realidade no momento foi muita coisa, seja como for é sempre imperdoável olhar para um sucesso dum grupo e dizer “iá sou muita bom” como fazem sempre estas estrelas autoproclamadas que rebentam com boas bandas para poderem ser medíocres a solo) ... anyway obrigado Mário Fernando por me lembrar de recuperar estas 4 músicas, um pequenino epifenómeno muito marcante num momento muito específico.
Sitiados. Obrigado Mário por me obrigares a isto, retiro o que disse repetindo-o, o 2º é melhor, mais redondo e perfeito... o primeiro (já não sei que namorada me ficou com ele) é mais importante, porque prenhes que tivessem de Pogues e Madness que estivessem (e estavam, é gritante) fizeram imediatamente o que os Trovante andavam a tentar fazer desde antes dos anos 80. A porra do disco é um portento, por mais que cheio de bicos e quase a adivinhar o luto com que a morte fora de tempo do Aguardela, o mais pretty dos pretty boys de sempre, nos havia de ensopar a todos um bocado para todo o sempre, uma maravilha às vezes...
No embalo ainda vou ao terceiro e derradeiro “O Triunfo dos Electrodomésticos” 1995 que eu na altura dei de certidão de óbito da coisa mas a verdade é que ainda são 3... nunca vi um disco a precisar tanto de mais ano de meio de digestão antes de ser editado, mesmo assim, ainda dá disto.
Finalmente... tio Vitorino. O tio Vitorino é um caso sério e não é de hoje... por partes, a porra do disco é brilhante e metade já sabíamos porque o continuamos a ouvir vez após vez, mas peguemos no que ainda não sabia.
O meu primeiro partis pris com os manos Salomé é a sua feroz alentejanidade... destes rapazes aqui do bairro (literalmente, a casa dos Salomé é entre o meu café e o meu barbeiro). O Vitorino ser um bom filho da burguesia não é pecado, também eu sou, o Zeca era filho dum juiz, o Zé Mário de dois professores da Primária, o Fausto licenciou-se no ISCSPU, o Adriano fez Coimbra, o Sérgio aulas com o Piaget na Suíça.... o que me encabra com o Vitorino Salomé Vieira é que este “Semear Salsa ao Reguinho” é de 1975 e, brilhante e magnífico como é, também é assustadoramente desprovido da esperança que impregna os discos dos colegas: isto é entre o “À Queima Roupa” e o “De Pequenino...” do Sérgio, o exacto anos do “Coro dos Tribunais” do Zeca, do “A Cantiga É Uma Arma” do Zé Mário e do GAC, do “Que Nunca Mais” do Adriano, do “Beco Com Saída” do Fausto... tudo discos prenhes de esperança na mudança óbvia que se estava mesmo a ver evidente; sem um pingo da reserva mental deste.
E note-se, o Vitorino tinha razão. A mudança total e para sempre não estava para acontecer em 75 por mais que as viúvas da revolução que não se cumpriu a carpam. Eu que me esforço por não ser viúva dos mortos doutrem, e que tenho queda para o cinismo que me chegue, mesmo assim chateia-me reconhecer-me no cinismo lisboeta do mano Salomé (o único lisboeta da turma)... como ele diria: olho aberto e mão na foice, tenho a mesma dor nas costas...
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